O protagonismo da atuação do Ministério Público na criação dos Conselhos da Comunidade: por uma execução penal participativa

Júlio César Soares Lira

5º Promotor de Justiça Criminal em Petrolina/PE, especialista em Direito Público pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) – Campus Juazeiro/BA, Professor de Direito Penal e Criminologia da mesma instituição. E-mail: juliol@mppe.mp.br

 

RESUMO

O presente artigo visa demonstrar que, embora a Lei de Execução Penal traga como obrigação a criação do Conselho da Comunidade em cada comarca onde houver pessoas em situação de aprisionamento, tal não ocorre, não obstante a grande importância desse conselho nas diversas fases da execução da pena privativa de liberdade. Objetiva também conclamar os promotores de Justiça a deixarem a posição de meros coadjuvantes no processo de criação do Conselho da Comunidade para alcançarem o patamar de protagonistas desse processo, propondo-se, ao final, um modelo ideal para que essa mudança de paradigma possa ocorrer.

PALAVRA-CHAVE

Direito Público; Lei de Execução Penal; Conselho da Comunidade; Ministério Público.

 

ABSTRACT

This article seeks to demonstrate that although the Penal Execution Law brings an obligation to create the Community Council in every district where there are people in entrapment situation, this does not occur, despite the great importance that the Council in various stages of enforcement of sentences deprivation of liberty. It also aims to urge the Prosecutors to leave the position of mere supporting the process of creating the Community Council to achieve the level of protagonists of this process, proposing, at the end, an ideal model for this paradigm shift can occur.

KEY-WORDS

Public right; Law of Penal Execution; Community Council; Public Ministry.

 

1 Introdução

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou em agosto de 2018, com base no Banco Nacional de Monitoramento de Presos (BNMP) 2.0, que a população carcerária do Brasil alcança a marca de 602.217 presos (eram 622.202 detentos em dezembro de 2014 e 726.712 em junho 2016). Em Pernambuco, o BNMP 2.0 aponta o total de 27.819 reclusos para 9.955 vagas nos estabelecimentos prisionais, o que proporcionava um déficit de 19.937 vagas. Ainda consoante os dados atualizados do CNJ, em nosso Estado, chegamos a uma taxa de 288,03 presos para cada 100.000 habitantes.[1]

Não é desconhecido de ninguém, mesmo para aqueles membros do MPPE que não trabalham diretamente com a execução da pena, notadamente a privativa de liberdade, que nossas cadeias públicas, presídios, penitenciárias não possuem espaços físicos condizentes com a dignidade da pessoa humana, nem recursos materiais e humanos suficientes para assistência à saúde, à educação, religiosa e social[2], como também não possibilitam a garantia de todos os direitos elencados no art. 41 da LEP.

No dizer de Zaffaroni[3]:

A prisão ou cadeia é uma instituição que se comporta como uma verdadeira máquina deteriorante: gera uma patologia cuja principal característica é a regressão, o que não é difícil de explicar. O preso ou o prisioneiro é levado a condições de vida que nada têm a ver com as de um adulto: é privada de tudo que o adulto faz ou deve fazer usualmente e com limitações que o adulto não conhece (fumar, beber, ver televisão, comunicar-se por telefone, receber ou enviar correspondência, manter relações sexuais etc.). É também ferido em sua autoestima de todas as formas imagináveis, pela perda da privacidade, de seu próprio espaço e submissões a revistas degradantes. A isso, juntam-se as condições deficientes de quase todas as prisões: superlotação, alimentação paupérrima, falta de higiene e assistência sanitária etc., sem contar s discriminações em relação à capacidade de pagar por alojamentos e comodidades. O efeito da prisão, que se denomina prisionização, sem dúvida é deteriorante e submerge a pessoa numa “cultura de cadeia”, distinta da vida do adulto em liberdade.

A participação da sociedade no cumprimento da pena é fundamental para a mudança desse quadro, para que a pena de privativa de liberdade seja cumprida com o mínimo de danos possível. Para isso, a Lei de Execução Penal previu a existência de um órgão a ser constituído em cada comarca onde houver pessoas em situação de aprisionamento, que represente a comunidade nesse processo que vai desde o início do cumprimento da pena até o reingresso ao convívio social. Esse órgão é o Conselho da Comunidade.[4]

Realmente, dentre os denominados Órgãos da Execução Penal, trazidos no 61 da LEP[5], destaca-se o Conselho da Comunidade, a quem incumbe, através de representação de setores da sociedade, realizar mensalmente visitas aos estabelecimentos prisionais existentes na comarca, realizando entrevistas e relatórios para serem levados ao conhecimento dos demais Órgãos da Execução Penal, buscando, ainda, viabilizar recursos materiais e humanos para melhorar a assistência ao preso ou internado[6].

O art. 4º da LEP é preciso quando afirma que o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança.

Destarte, faz-se urgente chamar a sociedade a participar mais efetivamente nas questões relacionadas ao cárcere, posto que sob os influxos da mídia se busca cada vez mais aprisionar e manter o preso o maior tempo possível na masmorra, todavia, esquecem-se da condição humana daqueles que, por motivos que não cabem aqui discutir, descumpriram norma de conduta estabelecidas no nosso Código Repressivo Penal, esquecem-se, principalmente, que a regra é de que esses reclusos um dia voltarão à sociedade, que os quer ver longe, e voltarão em que condições???… certamente, brutalizados, “perdendo a própria noção de si mesmos (ser), a própria identidade de criatura humana… e assim projetando no outro a sua face mais cruel”[7].

Pois bem, diante dessa constatação, urge também que o Ministério Público cumpra o seu mister, buscando promover o fomento, a criação e, se for o caso, a restruturação dos Conselhos da Comunidade em cada comarca onde houver estabelecimentos prisionais, conscientizando, primeiro, os próprios membros do parquet da necessidade de se importar com a dignidade do recluso ou internado, como também do egresso; e, depois, logo em seguida, se dispondo a conscientizar também a sociedade para que lance um novo olhar à população encarcerada, o que poderá proporcionar, nessa união de esforços, que quando egressos, estejam esses “homens delinquentes”[8] em melhores condições de reintegração social.

Conforme Alvino Augusto de Sá:

Quando se fala aqui em delinquente, não se quer dizer uma pessoa com a qualidade intrínseca de delinquente, mas sim uma pessoa que foi envolvida e selecionada pela justiça e condenada. Para qualquer viés teórico da criminologia clínica, o delinquente é uma pessoa que foi envolvida e selecionada pela justiça. No entanto, para o viés mais estritamente médico-psicológico, ela foi envolvida e selecionada por conta de seus traços de personalidade e demais fatores individuais que a tornaram criminosa. Já para o viés crítico, ela foi envolvida e selecionada por conta de suas condições históricas, sociais econômicas, que a teriam tornado candidata ideal e frágil perante o sistema seletivo punitivo.

O que se propõe, portanto, é que se cumpra a legislação acerca da criação, em cada comarca onde exista uma unidade prisional ativa, um Conselho da Comunidade, e que o Ministério Público possa tomar para si a responsabilidade de invocar a sua condição de agente transformador da realidade social e, buscando o apoio e a coparticipação da sociedade local, possa, realmente, promover o fomento, a criação e/ou reorganização desses Conselhos comunitários, como Órgão da Execução Penal com papel fundamental e preponderante para a melhoria das condições assistenciais do preso e do internado, com reflexos também importantes na condição do egresso, que se mostra como certa no sistema progressivo de cumprimento da pena privativa de liberdade, principalmente.

Demonstrar a vocação do Ministério Público para modificar a sua condição de mero expectador para a condição de protagonista no processo de criação e/ou fomento dos Conselhos da Comunidade, quebrando o paradigma de que caberá, única e exclusivamente, ao Juiz da Execução Penal tal papel e que ao parquet só caberia fiscalizar a atuação dos conselhos, é o objetivo principal desse ensaio.

Mostrar-se-á que a amplitude legal do papel do Ministério Público no âmbito da execução da pena o permite tomar para si esse protagonismo sugerido, com instrumentos legais para conclamar e conscientizar a sociedade para o seu papel de também fiscalizar o cumprimento da medida aflitiva materializada na pena.

Buscar-se-á tomar como modelo o Ministério Público do Paraná, que logrou estruturar, em conjunto com o Poder Judiciário paranaense, todos os passos para que promotores de Justiça e Juízes pudessem criar e fomentar os Conselhos da Comunidade nas comarcas daquele Estado da Federação, procurando acabar com o hiato existente entre a legislação e a realidade nua e crua observada em quase todos os demais Estados do nosso País, onde o próprio Estado, as instituições e a sociedade negligenciam, não se importam, com o que ocorre intramuros das masmorras, apelidadas de presídios ou penitenciárias.

Almeja-se aqui que as propostas lançadas possam servir para que o Ministério Público promova o cumprimento da legislação pertinente, atribuindo, inclusive, como meta do planejamento estratégico, a criação dos Conselhos da Comunidade em todas as comarcas onde existam unidades prisionais ou de aplicação de medida de segurança, chamando os promotores de Justiça a assumirem o protagonismo da conscientização e incentivo da sociedade para participar de maneira decisiva na reintegração social do reeducando.

 

2 O Conselho da Comunidade como órgão da execução penal

Já de início, a LEP define a missão dessa tarefa conferida ao Estado, prevendo expressamente que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.[9]

O art. 61 da LEP traz disciplinamento quanto aos órgãos encarregados da execução penal, elencando-os, sem qualquer hierarquia, em oito incisos, com delimitação expressa da área de competência de cada um deles nos artigos que se seguem. Assim, atribui-se competência ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (art. 64), ao Juízo da Execução (art. 66), ao Ministério Público (art. 67 e 68), ao Conselho Penitenciário (art. 70), ao Patronato (art. 79), ao Conselho da Comunidade (art. 81) e à Defensoria Pública (art. 81-B).

A exposição de motivos da Lei de Execução Penal afirma que “as atribuições pertinentes a cada um de tais órgãos foram estabelecidas de forma a evitar conflitos, realçando-se, ao contrário, a possibilidade de atuação conjunta, destinada a superar os inconvenientes graves resultantes do antigo e generalizado conceito de que a execução das penas e medidas de segurança é assunto de natureza meramente administrativa”.[10]

Para corrigir distorção da não inclusão da Defesa como órgão da execução penal, pois se imaginava que, como parte no processo executivo, não poderia figurar no rol do art. 61 da LEP, ao menos no que diz respeito à Defensoria Pública, a Lei 12.313/2010 tratou de incluí-la, atribuindo-lhe a incumbência de atuar em prol dos necessitados em todas as fases do processo executório, consagrando a garantia de pleno acesso à Justiça aos presos, egressos e seus familiares.

Por certo, como dispõem os dispositivos da LEP que tratam do Juízo da Execução (art. 66, inciso IX), caberá a este a competência para compor e instalar o Conselho da Comunidade, mas, em nenhum momento se exclui a possibilidade da participação efetiva dos demais órgãos, notadamente, do Ministério Público na condução de tal desiderato.

O Conselho da Comunidade, como já se viu alhures, através de representação de setores da sociedade, está incumbido de realizar mensalmente visitas aos estabelecimentos prisionais existentes na comarca, realizando entrevistas e relatórios para serem levados ao conhecimento dos demais Órgãos da Execução Penal, buscando, ainda, viabilizar recursos materiais e humanos para melhorar a assistência ao preso ou internado.

A composição do Conselho da Comunidade está descrita no art. 80 da LEP, ou seja, será composto, no mínimo, por um representante de associação comercial ou industrial, um advogado indicado pela Seção da Ordem dos Advogados do Brasil, um defensor público indicado pelo Defensor Público-Geral e um assistente social escolhido pela Delegacia Seccional do Conselho Nacional de Assistentes Sociais.[11]

Não obstante o comando legal determinar que em cada comarca deverá haver um Conselho da Comunidade com tais incumbências, em face do nosso País possuir cerca de 2.643 comarcas, deveríamos ter pelo menos 2.643 Conselhos da Comunidade, contudo a realidade é extremamente diversa.

Foi nesse contexto que, no ano de 2004, o Ministério da Justiça deu um importante passo para a efetivação da democracia e da participação social nas questões relacionadas à execução penal, com a criação da Comissão Nacional para Implantação e Acompanhamento dos Conselhos da Comunidade.

Foi realizado, em 2008, um levantamento pelo Ministério da Justiça sobre existência dos Conselhos da Comunidade nos Estados, perfazendo um total de 639 conselhos, sendo que destes, 252 estavam localizados na Região Sul (40%). Na Região Nordeste, somente 31 Conselhos da Comunidade enviaram respostas aos questionários enviados pela Comissão Nacional para Implantação e Acompanhamento dos Conselhos da Comunidade.

O Departamento Penitenciário Nacional tem se esforçado para implementar os Conselhos da Comunidade, tarefa que, embora afete o Poder Judiciário, o Ministério Público, principalmente, não pode assistir passivamente a falta de iniciativa por quem de direito. É urgente a necessidade de que saíamos da zona de conforto, de que tomemos para nós do aguerrido Ministério Público brasileiro a responsabilidade de assumir o protagonismo da criação e/ou fomento dos Conselhos da Comunidade em nosso Estado, sensibilizando toda a sociedade da importância de sua participação no processo de reintegração social do reeducando.

Os Conselhos da Comunidade são parte da execução penal, se constituem na instituição que tem a possibilidade de aproximar a sociedade da prisão e a prisão da sociedade, promovendo uma reparação do fenômeno da invisibilidade do cumprimento da pena, possibilitando o controle social dessa política pública e viabilizando a reflexão sobre os efeitos do cárcere na sociedade e sobre as relações que produzem a criminalidade. Considerando a relevância de sua função é evidente a necessidade de investir no processo de criação e/ou fomento e/ou reorganização dos Conselhos da Comunidade, visando um ganho expressivo nas questões relativas às políticas penais e penitenciárias.

O envolvimento da sociedade nas atividades de execução da pena é providência que se justifica no principal objetivo do processo executivo: a harmônica inclusão social do condenado. Cabe então recorrer à comunidade para a cooperação nas atividades de execução penal. A participação da comunidade nessa matéria constitui exercício da cidadania, devendo ser estimulada de modo a amenizar o preconceito em relação ao preso, e no sentido de que seja viabilizada, ao final da execução, a pretendida inclusão do condenado na comunidade.[12]

Desde a Constituição de 1988, verificam-se avanços na participação cidadã nas políticas sociais, na forma de conselhos gestores ou conselhos de direitos em áreas como saúde; assistência social; criança e adolescente; ou no trabalho com temáticas específicas, como mulheres, negros, drogas. O mesmo avanço, no entanto, não é observado nas políticas ligadas à segurança pública, especialmente ao sistema prisional.[13]

A participação social nas questões ligadas à prisão está prevista na legislação nacional e em diferentes tratados internacionais de defesa dos direitos dos presos. Na legislação nacional, o conselho de comunidade é disposto na LEP como um órgão da execução penal e representa a instância de participação da comunidade local junto aos presídios. Mesmo que sua formatação legal e seu grau de institucionalização não estejam suficientemente definidos, conselhos têm sido implantados no Brasil. No entanto, a prática que é observada nos diferentes estados brasileiros remete, em muitos casos, a ações pontuais destinadas apenas a suprir necessidades materiais dos presídios ou àquelas de cunho meramente assistencialista. Deixa-se, assim, de imprimir um caráter mais estrito de representação da sociedade local na problemática que envolve os presos e os egressos do sistema penitenciário.[14]

De se ressaltar, ainda, que esta forma de participação social na execução penal veio a ser reforçada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em 14 de dezembro de 1990, quando enunciou os Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos, visando à humanização da Justiça penal e à proteção dos direitos do homem. No Princípio 10 está dito, textualmente, que “Com a participação e ajuda da comunidade e das instituições sociais, e com o devido respeito pelos interesses das vítimas, devem ser criadas condições favoráveis à reinserção do antigo recluso na sociedade, nas melhores condições possíveis”.[15]

 

3 A natureza jurídica do Conselho da Comunidade

Cumpre, por importante, para a viabilidade do que ora se propõe, indicar qual a natureza jurídica dos Conselhos da Comunidade, advertindo, desde logo, ao leitor de que, como ditos órgãos da execução penal, não obstante vetustos, ainda são incipientes no nosso País, não se tem pacificado o tema, encontrando-se conselhos constituídos por diversas formas jurídico-legais.

Como se sabe, a Lei de Execução Penal não definiu a natureza jurídica do Conselho da Comunidade. Determina ser um órgão da execução penal, mas seria uma pessoa jurídica de direito público? E em sendo assim, o recebimento de recursos estaria sujeito também ao controle do Tribunal de Contas do Estado? Ou, ao contrário, pode-se constituir, após ato inicial do juiz, um Conselho sob a forma de pessoa jurídica de direito privado (de fins não econômicos)? Nessa última hipótese, tem-se como compatível com uma pessoa jurídica de direito privado o fato de a composição e instalação se dar por meio de ato constitutivo judicial, ou seja, de um terceiro estranho aos quadros associativos? Ou seria o Conselho da Comunidade um simples órgão auxiliar do juízo? Neste caso, na hipótese de omissão do juiz em compor e instalar o Conselho, qual o procedimento a ser adotado pela comunidade que deseja ter o seu conselho?

No intuito de responder a tais indagações, o Eminente Luciano Losekann, à época Membro da Comissão Nacional de Implementação e Acompanhamento dos Conselhos da Comunidade[16], faz uma reflexão bastante pertinente sobre a questão:

Hoje em todo o Brasil, vê-se que há Conselhos que possuem a feição de “pessoas jurídicas de direito público”, sem estatutos ou mecanismos internos de regramento e que atuam, simplesmente, após constituição pela autoridade judiciária, como se fossem auxiliares do juízo, prestando-lhe contas. Outros há que, mesmo como “pessoas jurídicas de direito público” adquirem e buscam maior autonomia em relação à figura do juiz, seja para que o trabalho a ser desenvolvido não seja pessoalizado, centrado na figura do juiz “x” ou “y” (o que, geralmente, resulta no desaparecimento das atividades do Conselho quando este magistrado é promovido/removido da comarca e a assunção de um novo juiz que não tenha nenhuma vocação ou pendor para a área da execução penal acaba desestimulando a participação comunitária). Há, ainda, outros membros de Conselhos que, após serem convocados pelo magistrado a assumirem seus cargos, tratam de organizar e constituir uma pessoa jurídica de direito privado, com personalidade jurídica e estatutos próprios, com diretoria periodicamente eleita, não só para ter independência em relação ao juízo, como, também, para mais facilmente conseguir obter recursos públicos e privados, apresentando projetos a entidades públicas e privadas dispostas a financiar iniciativas na seara penal.

Segundo a Comissão Nacional de Apoio e Incentivo aos Conselhos da Comunidade as especificidades locais é que devem orientar a ação dos conselheiros, pois as diversidades são tão grandes que orientação única poderia vir a frustrar o objetivo maior da própria Comissão, que é o de disseminar a existência do maior número de Conselhos possível, por todo o País.

Conforme Losekann[17], “constatou-se que tanto Conselhos que se organizam sob a forma ‘pública’(…), como aqueles que se organizam sob a forma ‘privada’(…), têm conseguido atingir seus objetivos fundamentais. Nada obstante, a própria Comissão Nacional de Apoio e Incentivo aos Conselhos da Comunidade, ante a pouca clareza da LEP, tem deixado claro em suas manifestações públicas que o órgão mais parece se aproximar da figura de uma pessoa jurídica de direito público, estando, nesse caso, inclusive sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas do Estado quanto a eventuais verbas de natureza pública que receba”.

No exemplo do Estado do Paraná, o Ministério Público, por intermédio do Procurador-Geral de Justiça e do Corregedor-Geral do Ministério Público, e sua excelência o Corregedor-Geral da Justiça, editaram, em conjunto, a Instrução Normativa nº 01/2014– CGJ/PR e MP/PR – CGJ/PR e MP/PR, com a finalidade de instituir normas para constituição, regularização e funcionamento dos Conselhos da Comunidade no Estado do Paraná, onde se determinou que os conselhos fossem criados com natureza de pessoa jurídica de direito privado, na modalidade Associação Civil.[18] Editaram, também, a Instrução Normativa nº 02/2014 – CGJ/PR e MP/PR[19], dessa vez com o fim de determinar normas para o recolhimento, a destinação, a liberação, a aplicação e a prestação de contas de recursos oriundos de prestações pecuniárias, na esteira da Resolução nº 154/2012, do CNJ.[20]

Já o Conselho da Comunidade da capital paulista foi constituído por meio da Portaria nº 04, de 09 de março de 2005, da lavra do então Juiz Corregedor dos Presídios e da Vara das Execuções Criminais, dr. Miguel Marques e Silva, tendo aprovado seu Regimento Interno em outubro do ano de 2006, constituindo-se, pois, como pessoa jurídica de direito público.

A seu turno, a Cartilha Conselho da Comunidade, da Comissão para Implementação e Acompanhamento dos Conselhos da Comunidade, orienta que, para facilitar a obtenção e a aplicação de recursos, muitos conselhos têm se constituído como pessoa jurídica, em geral como uma associação. Dessa forma possuem o aparato necessário para criar uma conta bancária, estabelecer convênios, executar despesas, etc. As formas mais comuns de captação de recursos pelos conselhos, segundo a cartilha, são por meio de: a) Penas pecuniárias; b) Projetos financiados por órgãos governamentais; c) Projetos financiados por organizações não governamentais; d) Convênio ou subvenção com o município onde o conselho está localizado ou com os municípios vizinhos que não possuem estabelecimento penal; e) Convênio ou subvenção com o Estado; f) Doações.

Vale ressaltar que o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento nº 21, de 30 de agosto de 2002, onde, ao que parece, cria uma natureza jurídica sui generis para os Conselhos da Comunidade, posto que determina que as prestações pecuniárias e as prestações sociais alternativas, objeto de transação penal e de sentença condenatória que não forem revertidas às vítimas ou aos seus sucessores deverão ser destinadas pelo juiz às entidades públicas, privadas com destinação social e aos conselhos da comunidade.[21] O referido Provimento nº 21, em seu § 1º define que “consideram-se entidades públicas as definidas nos termos art. 1º, § 2º, II, da Lei nº 9.784/1999, entidades privadas com destinação social as que atendam aos requisitos do art. 2º da Lei nº 9.637/1998, e conselhos da comunidade aqueles definidos nos termos da Lei de Execução Penal”.[22]

O que se propõe, com o objetivo de facilitar a criação dos Conselhos da Comunidade, é, inicialmente, dar aos mesmos uma roupagem eminentemente pública, com ato constitutivo emanado de Portaria do Juiz da Execução Penal da respectiva Vara Regional, após atuação do Ministério Público para conscientização e mobilização da sociedade onde exista unidade prisional, propondo-se para a organização do órgão um regimento interno, onde se tenha, minimamente, a linha de atuação, os objetivos e metas desses conselhos.

A partir do desenvolvimento natural dos Conselhos da Comunidade e com o engajamento dos diversos setores da sociedade organizada e com a necessidade de expansão dos seus objetivos, poder-se-á transformar ou constituir, os conselhos, em sociedades civis, creditando-os, assim, a receberem subvenções públicas que facilitem o alcance de suas metas.

Tudo isso, evidentemente, até que reforma legislativa possa desvendar, de uma vez por todas, qual deverá ser a natureza jurídica dos Conselhos da Comunidade.

 

4 Do papel do Ministério Público na execução penal na perspectiva da defesa dos direitos humanos

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis[23].

Para tal mister importa ressaltar que o Ministério Público possui uma atividade fiscalizadora em toda a sua atividade funcional, quer na esfera civil, quer na esfera penal. Sempre que estiver envolvido numa relação jurídica litigiosa, em um conflito de interesses, uma norma de ordem pública ou um direito indisponível, irrenunciável, impõe-se a função fiscalizadora do parquet. Porém, para fiscalizar, o Ministério Público pode requerer e então passa a ser, diretamente, parte processual, ou pode intervir. Renan Severo Teixeira da Cunha, apud Julio Fabbrini Mirabete[24], afirma que “pouco importa que para essa fiscalização vista as roupagens de parte requerente ou de órgão interveniente; sempre será órgão fiscalizador, com todas as consequências dessa atividade”.

Com relação à função fiscalizadora do Órgão Ministerial na Execução Penal, consoante a disposição do art. 67 da LEP, “o Ministério Público fiscalizará a execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes de execução”. Cabe inferir, então, que se lhe incumbe atuar em todo o processo executivo, isto é, desde o início do cumprimento da pena – art. 195 da LEP[25] – até seu final, com a consequente extinção da punibilidade do sentenciado.

Na lição de Mirabete[26]:

… Confere-se ao parquet a função de promover a observância do direito objetivo, atuando imparcialmente na verificação dos requisitos legais para o estrito cumprimento do título executivo penal. Como na execução penal entra em jogo um interesse público primário, que envolve um direito irrenunciável do condenado (status libertatis), é possível que se estabeleça uma situação em que se pretenda, como interesse público secundário, alterar ou mesmo extinguir os limites traçados no título executório. Nem sempre o interesse da Administração com os interesses genéricos e maiores de toda a coletividade, devendo o Ministério Público defender estes, orientando sua fiscalização para que se perfaça a exata aplicação da lei penal, processual e de execução penal.

E arremata o festejado autor:

A função fiscalizadora do Ministério Público não poderia ser executada se não se lhe dessem os meios para essa atividade fundamental. Assim, como corolário do disposto no art. 67, deve o órgão ser intimado de todas as decisões exaradas no curso o processo executivo, quer sejam jurisdicionais, quer sejam administrativas. Na primeira hipótese, cabe-lhe ainda opinar previamente, requerer e recorrer das decisões do juiz. Na segunda, pode valer-se dos meios processuais previstos na lei de execução, principalmente o procedimento judicial para apurar excesso ou desvio, representar às autoridades administrativas superiores contra ato abusivo de qualquer funcionário e requisitar providências da Administração Pública quando necessário.

Podemos, assim, divisar duas possibilidades de intervenção ministerial na execução da pena, sendo a primeira relativa à possibilidade de requerer deliberações judiciais relacionadas à concessão ou revogação de benefícios, instauração de incidentes, conversões e quaisquer outras providências que digam respeito ao desenvolvimento do processo executivo; e a segunda no sentido de intervir, mediante manifestações, em relação a situações que se materializam no processo de execução criminal que decorrem de pretensões do próprio apenado ou do seu defensor, como também, a partir de intervenções do conselho da comunidade, do pronunciamento do Conselho Penitenciário, de provocações ex officio do juiz da execução, entre outras.

Além da disposição genérica trazida no art. 67 da LEP, em vários outros dispositivos da Lei de Execução Penal se reclama expressamente a necessidade de intervenção do Órgão do Ministério Público, previamente ao pronunciamento judicial. São casos de expressa determinação da LEP, por exemplo, a progressão de regime prisional (art. 112, § 1º, da LEP), a saída temporária (art. 123 da LEP), a remição (art. 126, § 8º, da LEP) e a extinção da medida de segurança em face da cessação da periculosidade (art. 175, III, da LEP).

A ausência de manifestação do Ministério Público em todas as fases relativas à execução da pena, conforme consolidada jurisprudência, é causa de nulidade absoluta.

Temos ainda as disposições do art. 68 da LEP, que trazem uma série de atribuições do Ministério Público, em um rol que é meramente exemplificativo, abrangendo situações que, inclusive, já estariam previstas no próprio art. 67, em razão da sua amplitude genérica, considerando-se até desnecessário descrever as hipóteses daquele artigo da Lei de Execução Penal.

É possível concluir-se, então, que as funções do membro do Ministério Público no campo das Execuções Penais são mais amplas que aquelas que os próprios dispositivos legais da LEP enumeram, posto que está autorizado, inclusive pela natureza intrínseca do seu mister de defensor dos interesses primários da sociedade e de defensor dos Direitos Humanos, a atuar nas questões não judicializadas da execução da pena, isto é, nas questões meramente administrativas, como é o caso de assumir o protagonismo da criação dos Conselhos da Comunidade, notadamente, quando restar inerte o Poder Judiciário.

 

5 O papel do Ministério Público na regulamentação, instalação e organização do Conselho da Comunidade. A mudança de paradigma: de coadjuvante à protagonista.

É necessário compreender que a prisão e as pessoas lá detidas integram a mesma sociedade em que vivemos, e não um mundo à parte sobre o qual nada temos a ver. Os Conselhos da Comunidade operam como um mecanismo para esse reconhecimento e para que a sociedade civil possa efetivamente atuar nas questões do cárcere, quer para humanizá-lo, quer para que as pessoas que lá estão possam retornar ao convívio social a partir de uma perspectiva mais reintegradora.[27]

É preciso lançar os olhos críticos ao dispositivo da LEP que atribui ao Juízo da Execução compor e instalar o Conselho da Comunidade, posto que quis o legislador adotar tão-somente critério de competência para o ato legal de criação e nomeação dos componentes do Conselho.

Não afasta a lei, em momento algum, a possibilidade de que o Ministério Público, como Órgão da Execução Penal, como fiscalizador da execução da pena e da medida de segurança, oficiante necessário no processo executivo, em todas as suas fases, e nos incidentes de execução; possa assumir para si o protagonismo de trazer a sociedade a participar da execução da pena, se fazendo representar (a sociedade) no Conselho da Comunidade.

Não se pode prescindir da atuação dos membros do Ministério Público para arregaçar as mangas, sair da zona de conforto, assumir a responsabilidade de fazer valer a vontade do legislador em criar um órgão que busca a participação da sociedade organizada nas políticas públicas de reintegração social do recluso e do egresso.

Como a LEP atribui ao Juízo da Execução Penal a composição e criação dos Conselhos da Comunidade, as Procuradorias-Gerais de Justiça poderão, junto com as Doutas Corregedorias-Gerais do Ministério Público, entabular conversações junto às Corregedorias-Gerais da Justiça, órgão competente do Poder Judiciário, a fim de que, tal qual houve no Estado do Paraná, em ato conjunto, possam instar os juízes e os promotores de Justiça a, juntos, envidarem ingentes esforços no sentido de criarem os Conselhos da Comunidade nas suas respectivas comarcas de atuação, onde hajam unidades prisionais.

Malgrado essa tratativa, e também na perspectiva de que a atuação do parquet nessa seara não está, absolutamente, atrelada ao Poder Judiciário, consoante a Lei Orgânica do Ministério Público, as Procuradorias-Gerais de Justiça poderão expedir recomendações aos Órgãos do Ministério Público, notadamente aos promotores de Justiça, para que fomentem a criação e/ou a organização dos Conselhos da Comunidade enquanto órgão de Execução Penal.

Assim, mesmo sem caráter normativo, após articulação com as Corregedorias-Gerais do Ministério Público, poderão, as Procuradorias-Gerais de Justiça, expedir recomendação aos promotores de Justiça Criminais (com atuação na execução da pena); ou ainda aos promotores de Justiça de Cidadania, com atuação na Curadoria dos Direitos Humanos, conforme seja a especificidade, com tal finalidade, isto é, recomendar que os membros com atribuição legal possam informar à sociedade sobre a importância da criação do Conselho da Comunidade, sobre as funções do mesmo, sobre a necessidade de participação social para o fim de fiscalização da pena e da medida de segurança, inclusive, com o viés de que o cuidado com o recluso e com o egresso são fatores decisivos para abrandar os índices de reincidência etc., incentivando que eles (os promotores de Justiça) se envolvam na causa, se engajem do espírito de transformadores da ordem social, cooptando pessoas igualmente comprometidas e que queiram dar uma parcela de contribuição em uma área ao mesmo tempo tão importante e tão esquecida para a pacificação social e para a obtenção do bem comum.

A seu turno, as Corregedorias-Gerais do Ministério Público, do mesmo modo, terão atribuições por demais importante nesse processo criativo/organizador, já que os promotores de Justiça já estarão devidamente imbuídos da missão de fomentar a criação e/ou organização dos Conselhos da Comunidade, na condição de órgão orientador e fiscalizador das atividades funcionais dos membros do parquet envolvidos, lhes caberá também realizar sugestões e recomendações no sentido de orientar na realização da função e na cobrança dos  resultados.

Os Centros de Apoio Operacionais específicos (Criminais ou de Execução Penal, onde houver), como órgão auxiliar da atividade funcional dos promotores de Justiça, poderão estimular a integração entre os membros ministeriais e destes com o Poder Judiciário, subsidiando a todos com informações técnico-jurídicas acerca dos Conselhos da Comunidade, atuando, ainda, como interlocutores entre os órgãos de execução e as CGMPs e as PGJs, visitando, in loco, as Promotorias de Justiça e os Conselhos da Comunidade, participando das audiências públicas para criação dos conselhos, enfim, dando todo o suporte para que se materialize o comando normativo.

O Ministério Público poderá ainda criar um Grupo de Atuação Especial com atribuições específicas na área da Execução Penal, a quem incumbirá elaborar cartilhas e kits autoexplicativos (contendo modelos de Portarias, Recomendações, Regimento Interno do Conselho da Comunidade, Ofícios etc.) para distribuição aos promotores de Justiça envolvidos; além de encetar esforços no sentido de providenciar junto ao Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF), da Escola Superior do Ministério Público, cursos de atualização e capacitação relativos à atividade de execução da pena e à formação e instauração dos Conselhos da Comunidade; incentivar a instalação desses Conselhos da Comunidade e acompanhar o seu funcionamento, orientando, no que couber e no que lhe for possível, na correção de rumos porventura inadequados; acompanhar os membros do Ministério Público na organização e realização das audiências públicas para informação, orientação, sensibilização e convencimento da sociedade sobre a necessidade de sua participação nas importantes questões relativas à execução da pena, ao preso e ao egresso, sempre demonstrando que a segurança pública, em um sentido macro, também é responsabilidade dessa mesma sociedade; atuará ainda no sentido de buscar, junto ao Ministério da Justiça, no Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e na Comissão para Implementação e Acompanhamento dos Conselhos da Comunidade cursos de formação, capacitação e aprimoramento para os membros dos Conselhos da Comunidade, capacitando-os a gerir e conduzir bem as atividades dos conselhos.

Por fim, como elemento primordial dessa engrenagem, atuará o promotor de Justiça, que, com o apoio dos demais órgãos do Ministério Público, poderá, como condição que lhe é peculiar e natural, aproximar-se da sociedade, chamando-a a participar, conscientizando e sensibilizando as diversas parcelas do corpo social de que garantindo a dignidade da pessoa humana na execução da pena estarão contribuindo para a diminuição dos índices de reincidência e, por conseguinte, para o resguardo do direito fundamental à segurança pública.

O promotor de Justiça, como já se disse, deverá encetar conversações e diálogos com a sociedade. Buscará, em primeiro lugar, convencer o Poder Judiciário local da importância da criação do Conselho da Comunidade e conscientizar o magistrado de que é dele a competência para criação do órgão. Estabelecerá, ainda, contato com as prefeituras e suas secretarias pertinentes; com as câmaras de vereadores, notadamente, com a Comissão de Direitos Humanos; com a OAB; com os núcleos locais da Defensoria Pública; com as escolas (da rede pública ou privada); com as instituições de ensino superior (públicas ou privadas); com as associações comerciais e industriais; com os clubes de serviço; com as associações, sindicatos, com os órgãos da mídia local, que terão papel importante da divulgação das ações do Ministério Público nessa seara…, enfim, com todas as instituições que possam, ou através da indicação de nomes para compor os Conselhos da Comunidade, ou através do apoio direto ou indireto, auxiliar na criação de tais Órgãos da Execução Penal.

Feitos os contatos, estabelecidos os canais de diálogo, mas ainda não obtidos os nomes para compor o Conselho da Comunidade, poderá o promotor de Justiça partir para a realização de audiências públicas para informar, sensibilizar e convencer acerca da grande importância da criação de mais esse órgão de apoio e controle da execução da pena, convocando autoridades locais e todos os possíveis atores na composição e, acima de tudo, a população em geral, para proporcionar, assim, que o reclamo para a criação do conselho passe a ser uma demanda vinda da própria sociedade, nascendo daí o espírito de solidariedade e do cumprimento de dever de cidadão, no exercício mais elevado da cidadania.

Pode-se, inclusive, em último caso, expedir ofícios às instituições referidas na LEP[28], para que as mesmas indiquem nomes para a composição do Conselho da Comunidade. Contudo, a adesão espontânea proporcionará espírito de pertencimento e, via de consequência, melhores condições de desenvolvimento de suas atividades.

Composto o Conselho da Comunidade, caberá ao promotor de Justiça requerer ao juiz competente que realize a formação e criação do mesmo, passando-se a ser regido pela normatização da Lei de Execução Penal e pelo seu Regimento Interno, sob a orientação, coordenação e fiscalização do Poder Judiciário e do Ministério Público, com a possibilidade de, com sua evolução, vir a se capacitar a receber subvenções públicas que auxiliarão na expansão dos seus objetivos e metas.

Acredita-se ser inconveniente a participação tanto do Ministério Público, quanto do Poder Judiciário, como membros efetivos dos Conselhos da Comunidade, posto que deverão atuar de forma a colaborar, coordenar, orientar e fiscalizar os conselhos, não sendo prudente estarem inseridos em suas composições, não se podendo olvidar, no entanto, que eles (os conselhos) não deverão manter uma relação de subserviência aos promotores de Justiça ou aos magistrados, devendo agir autonomamente, com independência e altivez, na consecução dos seus objetivos.

Destarte, sem a vã expectativa de esgotar a questão, propugna-se que o Ministério Público assuma o protagonismo do fomento e da criação dos Conselhos da Comunidade, posto que não mais podemos somente observar a inatividade do Poder Judiciário para se desincumbir de seu mister.

Faz-se mister lembrar que a Defensoria Pública, desde a Lei 12.313/2010, já é Órgão da Execução Penal e órgão integrante do Conselho da Comunidade e, com isso, nada impede que nós do Ministério Público possamos perder, também pela nossa inércia, a oportunidade de exercitarmos a nossa vocação de defensores dos interesses mais lídimos (mesmo que as vezes não percebidos e não sentidos) da sociedade.

 

6 Conclusão

O desiderato do presente artigo foi o de demonstrar que há fundamento jurídico-legal para que o Ministério Público saia de uma situação de mero observador para se tornar protagonista na criação dos Conselhos da Comunidade, Órgão da Execução Penal estabelecido no art. 80 da LEP.

O Conselho da Comunidade se mostra imprescindível para a realização das próprias funções do Ministério Público no tocante à execução da pena e a proteção dos Direitos Humanos relativos à pessoa privada de sua liberdade, posto que cabe àquele órgão atuar em atividades consultiva, para os demais órgãos da Execução Penal; assistencial, aos presos e egressos; e fiscalizadora, com relação às unidades prisionais.

Não obstante a Lei de Execução Penal atribuir a competência ao Poder Judiciário para compor e instalar o Conselho da Comunidade[29], as funções atribuídas ao Ministério Público pela própria LEP, notadamente, de forma ampla e genérica no art. 67, não excluem a possibilidade de que o parquet possa tomar para si a responsabilidade de fomentar a criação e a organização dos Conselhos da Comunidade, notadamente, diante da inércia do Poder Judiciário, saindo, assim, de uma posição de mero coadjuvante para a de protagonista desse processo constitutivo-organizacional.

Ao Ministério Público, por meio dos órgãos da administração superior, dos órgãos de execução e dos seus órgãos auxiliares, principalmente, por intermédio das Promotorias de Justiça Criminais (com atuação na Execução Penal) e/ou de Cidadania (Curadoria dos Direitos Humanos), cada órgão, evidentemente, dentro das suas respectivas  esferas de atribuição, caberá encetar ingentes esforços no sentido de assumir o protagonismo da criação e organização dos Conselhos da Comunidade onde quer que exista unidade prisional ativa.

Para alcançar tal finalidade, realizará ações coordenadas e sistematizadas tendentes a:

  1. a) buscar parceria com o Poder Judiciário para cumprimento da LEP;
  2. b) a informar e conscientizar a sociedade sobre a importância da criação dos Conselhos da Comunidade;
  3. c) realizar cursos de capacitação acerca da teoria e prática da Execução Penal, para membros, servidores e estagiários;
  4. d) realizar convênio com o DEPEN para realização de cursos de formação e capacitação de Conselheiros componentes do Conselho da Comunidade;
  5. e) estabelecer contato com as instituições elencadas no art. 80 da LEP para obtenção de integrantes para o Conselho da Comunidade, preferencialmente, com perfil para a atividade a ser desempenhada;
  6. f) promover, junto ao Poder Judiciário, requerimento para a nomeação dos integrantes indicados e para a criação dos Conselhos da Comunidade, pugnando para que os componentes se comprometam perante o Regimento Interno através da assinatura de termo próprio;
  7. g) promover o acompanhamento e a fiscalização dos Conselhos da Comunidade, visando o seu bom desenvolvimento e o alcance de suas metas.

Destarte, já é tardia a necessidade de o Ministério Público sair do estado contemplativo que lhe foi imposto pela inércia do Poder Judiciário, no que concerne à criação e implantação dos Conselhos da Comunidade.

Cabe somente a nós, membros do parquet nacional, sair do berço esplêndido para assumirmos o protagonismo de mais essa função engrandecedora e fortalecedora da sociedade, em busca da paz, da Justiça e do Ministério Público social.

 

REFERÊNCIAS

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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. Ed. Revan. 5ª Edição. 2001.

[1]              http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/57412abdb54eba909b3e1819fc4c3ef4.pdf. Acesso em: 16 fevereiro 2019.

[2]              Art. 11, da Lei 7.210/84.

[3]              Zaffaroni, Eugênio Raul. Em busca das penas perdidas. Ed. Revan. 5ª Edição. 2001. p. 135/136.

[4]              Cartilha Conselhos da Comunidade/Comissão para Implementação e Acompanhamento dos Conselhos da Comunidade. Brasília/DF: Ministério da Justiça, 2008, 2ª edição.

[5]              Art. 61, da Lei 7.210/84: Art. 61. São órgãos da execução penal: I – o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária; II – o Juízo da Execução; III – o Ministério Público; IV – o Conselho Penitenciário; V – os Departamentos Penitenciários; VI – o Patronato; VII – o Conselho da Comunidade. VIII – a Defensoria Pública.

[6]              Art. 81, da Lei 7.210/84: Art. 81. Incumbe ao Conselho da Comunidade: I – visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na comarca; II – entrevistar presos; III – apresentar relatórios mensais ao Juiz da execução e ao Conselho Penitenciário; IV – diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento.

[7]              Do Projeto à Realidade: Humanizar e Estruturar a Cadeia Pública de Itambé. Rosemary Souto Maior de Almeida. Ed. Novo Horizonte. Recife 2012, p. 11.

[8]              SÁ, Augusto Alvino de. Criminologia Clínica e Execução Penal. Proposta de um Modelo de Terceira Geração. Ed. Saraiva. 2ª edição. 2015. pág. 65.

[9]              Art. 1º da Lei 7.210/1984.

[10]            Item 88 da Exposição de motivos da Lei de Execução Penal.

[11]            Redação dada pela Lei nº 12.313, de 2010.

[12]            SILVA, Haroldo Caetano da. A participação comunitária nas prisões. Fundamentos e Análises sobre os Conselhos da Comunidade. DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional. 2011.

[13]            WOLF. Maria Palma. Participação social e sistema penitenciário: uma parceria viável? Fundamentos e Análises sobre os Conselhos da Comunidade. DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional. 2011.

[14]            Idem.

[15]            http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/fpena/pbasic.htm

[16]            LOSEKANN, Luciano. O juiz, o poder judiciário e os conselhos de comunidade: algumas reflexões sobre a participação social na execução penal.

[17]            Idem.

[18]            Art. 6º O Conselho da Comunidade constituir-se-á como pessoa jurídica de direito privado, sob a forma de Associação Civil, mediante cumprimento das seguintes etapas sequenciais:

[19]            Instrução Normativa nº 02/2014 – CGJ/PR e MP/PR, institui normas para o recolhimento, a destinação, a liberação, a aplicação e a prestação de contas de recursos oriundos de prestações pecuniárias no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Paraná.

[20]            Resolução nº 154/2012 do Conselho Nacional de Justiça, que define a política institucional do Poder Judiciário na utilização dos recursos oriundos da aplicação da pena de prestação pecuniária.

[21]            Provimento nº 21/2002 do Conselho Nacional de Justiça, que define regras para a destinação e fiscalização de medidas e penas alternativas.

[22]            Idem.

[23]            Art. 127, caput, da CF/88.

[24]            MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. Editora Atlas. 11ª Edição. p. 227.

[25]            Art. 195. O procedimento judicial iniciar-se-á de ofício, a requerimento do Ministério Público, do interessado, de quem o represente, de seu cônjuge, parente ou descendente, mediante proposta do Conselho Penitenciário, ou, ainda, da autoridade administrativa.

[26]            MIRABETE, Julio Fabbrini. Ob. Cit. p. 227/228.

[27]            Cartilha Conselhos da Comunidade/Comissão para Implementação e Acompanhamento dos Conselhos da Comunidade. Brasília/DF: Ministério da Justiça, 2008, 2ª edição.

[28]            Art. 80 da Lei 7.210/1984.

[29]            Art. 66, IX, da Lei 7.210/1984.