O Ministério Público resolutivo na experiência do Projeto Apoio Legal: ganhos para a justiça social

Ana Lucia Martins de Azevedo

Analista Judiciária e assistente social

Ana Kelly Almeida da Costa 

Analista Ministerial do MPPE e assistente social

Irene Cardoso Sousa

Promotora de Justiça do MPPE

Ossamu Éber Narita

Juiz de Direito/TJPE do Juizado Especial Criminal do Idoso

Tereza Maria Barbosa Nogueira 

Delegada/SDS, titular da Delegacia do Idoso

Dayane Fernanda da Silva 

Estagiária de Serviço Social do MPPE

Luzia Clara Duarte Araújo de Albuquerque

Estagiária de Serviço Social do TJPE

     

RESUMO

O presente artigo discorre sobre o tema do Ministério Público resolutivo, oferecendo um debate do contexto atual e dos desafios no enfrentamento da violência contra a pessoa idosa. Reflete sobre a prática desenvolvida pelas instituições que compõem o Centro Integrado de Cidadania (Recife/PE), no qual é desenvolvido o projeto interinstitucional e interdisciplinar Apoio Legal, em uma parceria entre o Ministério Público, o Tribunal de Justiça de Pernambuco, a Defensoria Pública Estadual e a Delegacia do Idoso, com o apoio da equipe psicossocial. O texto reflete sobre o papel do Ministério Público nesse escopo e acerca das demais instituições do sistema de justiça que compõem o espaço, bem como discute a respeito da justiça social e do acesso à justiça, sendo ainda sugeridos alguns avanços e resultados do projeto.

PALAVRAS-CHAVE: Violência contra pessoa idosa; Justiça social; Ministério Público resolutivo; Pessoa idosa; Juizado Especial Criminal.

1 Introdução

O presente artigo descreve a experiência do projeto Apoio Legal como uma intervenção resolutiva e integrada entre os órgãos do Sistema de Justiça que compõem o Centro Integrado de Cidadania Carlos Eduardo Campelo (CIC), inaugurado em 3 de fevereiro de 2006. Destaca, ainda, o papel do Ministério Público nos conflitos sociofamiliares e comunitários envolvendo pessoas idosas em situação de violência, em uma perspectiva de justiça social e de intersetorialidade.

O projeto vem sendo desenvolvido desde 2019, na cidade do Recife, capital do estado de Pernambuco, tendo sido formalizado a partir da ação integrada do Ministério Público, Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Secretaria de Defesa Social, em parceria estabelecida através do Termo de Cooperação Técnica 3/2020, de 1º de outubro de 2020. Esse documento celebrou o convênio entre as instituições que representam o sistema de justiça e integram o CIC.

Do ponto de vista institucional, especialmente no tocante ao Ministério Público brasileiro, discute-se o seu papel como agente político, pautado pelo interesse do cidadão, na participação social, no controle democrático e na garantia e ampliação dos direitos fundamentais como o principal espaço de atuação ministerial.

A configuração das políticas e programas voltados ao atendimento das necessidades da pessoa idosa é uma agenda a ser reconhecida, considerando, sobretudo, que o envelhecimento populacional tem sido uma tendência mundial e que o Brasil já apresenta uma estrutura etária envelhecida, com um ganho de expectativa de vida estimado em 76,7 anos para as pessoas nascidas no ano 2000 (IBGE, 2019).

Elaborado e executado pelos quatro órgãos que integram o CIC, sendo já essa uma importante inovação do projeto, a experiência do Apoio Legal é descrita neste artigo com o relato de sua construção, operacionalização, modelo de intervenção e resultados. A lógica da discussão está amparada nas ideias de resolutividade e justiça social, bem como no sentido do trabalho em rede, tendo como objeto as situações de conflito e vulnerabilidade encontradas, em grande parte, no interior dos próprios lares dos idosos, que, por eles mesmos, ou representados por familiares, recorrem com frequência ao atendimento no CIC.

É certo que a formulação de respostas a essas questões não se encerra nos trâmites processuais da justiça criminal; há a necessidade da elaboração de estratégias de inclusão e encaminhamento para a rede de proteção, saúde, assistência social e mediação de conflitos. Essas questões vêm sendo abordadas cotidianamente pelas equipes de apoio psicossocial dos órgãos integrantes do CIC, em cuja estrutura os profissionais especializados atendem.

Ressalte-se, como evento impactante na vida social, econômica e política do país no ano de 2020, a crise sanitária mundial provocada pela Covid-19, infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2. Essa doença foi reconhecida como uma emergência em saúde pública de interesse internacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que, em 11 de março de 2020, decretou situação de pandemia.

O isolamento social, através do distanciamento social ou da quarentena, foi a medida mais adotada, com maior ou menor intensidade, por quase todos os países. O Brasil segue com o avanço vertiginoso de casos e óbitos, adotando medidas e normativas heterogêneas em cada estado, enquanto o ritmo de vacinação ainda se mostra desacelerado.

Nesse contexto pandêmico, identifica-se o aumento da fragilidade da população idosa em todos os níveis, especialmente do ponto de vista da ampliação de violências no âmbito doméstico. Esse grupo populacional já é mais penalizado no que se refere ao acesso educacional e tecnológico, o que se coloca como um importante desafio nessa era digital e de informatização na oferta de serviços públicos, em face das medidas de distanciamento adotadas.

A despeito do contexto pandêmico e de portarias e resoluções que interromperam temporariamente os atendimentos presenciais de rotina em grande parte dos órgãos públicos, e muitos privados, em Pernambuco, o projeto Apoio Legal manteve canais de acesso para o atendimento das famílias e pessoas idosas. As ações prosseguiram com a orientação remota, dada a suspensão do expediente presencial em alguns períodos de aumento das restrições sanitárias, ocasionadas pela elevação do índice de contaminação da população pelo coronavírus.

Assim é que, idealmente, a integração entre os quatro órgãos do CIC na estrutura do projeto Apoio Legal, para além da boa intenção e da formalidade, indica uma estratégia. Desse modo, independentemente dos resultados que venha a apresentar no futuro ‒ e estes certamente não terão nele o único fator determinante ‒, o projeto Apoio Legal já está no caminho que há muito se tem por recomendado para o enfrentamento da violência contra a pessoa idosa, inovando na operacionalização da rede intersetorial de apoio e proteção específica aos idosos, numa perspectiva de justiça social.

O Centro Integrado de Cidadania – CIC. Considerações sobre o papel do Ministério Público na contemporaneidade

O projeto Apoio Legal surgiu de uma concepção ampliada do acesso à justiça, por tratar de problemas afetos à pessoa idosa, sua família, seu contexto, resistências, fragilidades e possibilidades de cuidados e superação da condição de risco ou violação de direitos. A ação é uma proposta do Juizado Especial Criminal do Idoso (JECRIM/Idoso), através do Núcleo de Apoio Psicossocial (NAP/TJPE), 48ª Promotoria Criminal do Idoso (MPPE), Defensoria Pública do Estado de Pernambuco e Delegacia do Idoso, órgãos integrantes do Centro Integrado de Cidadania (CIC). Visa, sobretudo, favorecer a tomada de decisão ante os conflitos sociofamiliares e comunitários, associados a situações de violência que estão na base das demandas às instituições que integram o CIC.

É sabido que as famílias vêm sofrendo no decorrer dos anos em face das mudanças socioeconômicas do país, bem como de suas repercussões psicossociais nos grupos familiares. Nestes, ocorrem importantes conflitos, relativos à dependência econômica dos membros em relação à pessoa idosa, que, embora provedora, apresenta maior vulnerabilidade ‒ pelo declínio de suas condições físicas e, muitas vezes, cognitivas, de autonomia e de saúde ‒ nas situações de conflitos familiares.

Os conflitos envolvendo pessoas idosas não se restringem ao universo do grupo familiar; antes, constituem ‒ ainda que em proporções menores ‒ reflexos de convivências comunitárias e de vizinhança malsucedidas, que culminam em desavenças não solucionadas no âmbito da comunidade. O foco da análise não se restringe ao âmbito das inter-relações familiares, mas ‒ atentando a uma esfera mais ampla ‒ direciona-se às complexas relações entre a família, a sociedade e o Estado, e, inclusive, ao papel de cada um deles tanto na explicação quanto na solução dos conflitos que se apresentam.

Partindo dessa perspectiva, o olhar dirigido à pessoa idosa deve posicioná-la numa condição de sujeito ativo e partícipe na construção de sua história. O modo como uma pessoa envelhece depende de diversas variáveis, algumas relativas ao próprio indivíduo, outras relativas a aspectos mais amplos que envolvem o contexto social, comunitário e familiar.

Essa problemática passa a ter maior visibilidade com a publicação, em 2003, do Estatuto do Idoso (Lei Federal 10.741/2003), que prevê o respeito aos direitos e à dignidade da pessoa idosa, como também o fortalecimento de sua cidadania e inclusão social. Condizente com esses princípios, foi criado, em 2006, o Juizado Especial Criminal do Idoso (JECRIM/Idoso), instalado no Centro Integrado de Cidadania, responsável por processar e julgar infrações penais de menor potencial ofensivo contra a pessoa idosa, favorecendo a conciliação entre as partes.

De acordo com a Resolução do TJPE nº 201, de de 25 de setembro de 2006, é “dever institucional do Poder Judiciário procurar, nos limites das suas atribuições constitucionais, alternativas na política judiciária que tornem a justiça acessível a todos, sobretudo aos que merecem maior proteção jurisdicional”. Nesse aspecto, o TJPE propõe-se a ter também uma função social mais ampla, que possa, em parceria ou individualmente, acolher, apoiar, orientar e encaminhar os sujeitos envolvidos nos conflitos, visando solucionar tais conflitos da melhor forma.

O Brasil das próximas décadas será um país de idosos. É papel fundamental de toda a sociedade e do Estado a construção de uma nova mentalidade, que perceba o idoso com suas experiências e limitações trazidas pela idade, tratando-o com prioridade e respeito à sua singularidade.

O objetivo da pena/medida alternativa é que o indivíduo tome consciência de seu papel social, observando seus direitos, deveres e limites como cidadão. Busca também a ressignificação da infração penal, favorecendo um processo de mudança ressocializadora e diminuindo a possibilidade da reincidência do ato infracional.

Nesta vertente, tanto no âmbito do Ministério Público como no sistema de justiça, dá-se a efetivação de práticas com vistas à superação de um modelo punitivista, atendendo às determinações de um conceito de justiça mais amplo, a considerar as necessidades das populações demandantes. Como reflexo desses avanços, foram lançadas normativas balizadoras de práticas no campo da autocomposição e da justiça restaurativa, de que são exemplos a Política Nacional de Justiça Restaurativa, no âmbito do Tribunal de Justiça (Resolução 225/2016, Conselho Nacional de Justiça), e a resolução 118/2014, do Conselho Nacional do Ministério Público, com incentivo à autocomposição no âmbito do Ministério Público brasileiro.

A implantação do projeto Apoio Legal consistiu numa iniciativa que parte desta acepção de justiça mais ampla e dialógica, buscando contribuir para o enfrentamento da exclusão de pessoas que se encontram em níveis por vezes altíssimos de vulnerabilidade social e/ou emocional.

O Centro Integrado de Cidadania (CIC) reúne condições para o sucesso de iniciativas com vistas à parceria dos órgãos que compõem a rede de serviços públicos e privados, visando ao acesso dos sujeitos aos dispositivos socioassistenciais e de saúde. São muitos e variados os conflitos subjacentes aos processos e às demandas de atendimento espontâneo que chegam ao CIC, muitos deles estreitamente associados ao histórico sociofamiliar e comunitário fragilizado, nos quais muitas vezes estão presentes situações de sofrimento e exclusão.

Particularmente no que se refere ao idoso ofendido, o perfil que o juizado do idoso atende é muito próximo daquele que a literatura especializada aponta, isto é, mulheres viúvas, maiores de 75 anos e com renda de até três salários mínimos, bem como situações de fragilidade e vulnerabilidade psicológica e social, além de histórias de rompimento de vínculos e de conflitos que, subjacentes aos processos em tramitação, não se resolvem nas audiências nem no eventual cumprimento das medidas ou penas.

Nesse contexto, entende-se como necessária uma linha de ação no âmbito psicossocial que acolha os sujeitos e as famílias, que escute, apoie, oriente e/ou encaminhe os que procuram o CIC. O acolhimento e apoio ‒ realizados na fase anterior ao processo ‒ visam possibilitar o reconhecimento do indivíduo e do seu direito de ser considerado na busca pela valorização da sua identidade singular, do seu protagonismo e da sua cidadania.

Observam-se com frequência situações de conflito relacionadas ao rompimento de vínculos sociais nos quais os indivíduos demonstram pouca disponibilidade para a conciliação. Parte da explicação pode estar no fato de serem eles mesmos criadores e produtos de um tipo de sociabilidade individualista que se pauta pela exclusão e pela desigualdade entre os indivíduos e grupos sociais. 

Por outro lado, a dinâmica tradicional na busca do sistema de justiça por parte de muitas famílias e sujeitos sociais também parte de anseios e concepções punitivistas nas respostas elaboradas pelo aparelho de Estado. Esse padrão de comportamento traz dificuldades mais abrangentes para a convivência em sociedade e familiar, pois se afasta do ideal de solidariedade, característica forte em culturas cujos princípios de justiça social norteiam a formação social e política do país.

A dinâmica e a organização dos diferentes grupos familiares, em face das adversidades que marcam suas trajetórias, podem ser determinantes na formação de seus membros. A falta de perspectivas de indivíduos e grupos, motivada pelo descrédito nas instituições e nas políticas públicas do país, e a ausência de soluções mediatizadas pela consensualidade e pela presença da atuação do Estado nos demais contextos de vida dessas populações têm sua parcela de contribuição na origem dos conflitos, que, ao se agudizarem, resultam em processos judiciais litigiosos, burocráticos, morosos e pouco resolutivos.

Na perspectiva do projeto Apoio Legal, busca-se intervir para contribuir na minimização do sofrimento, favorecimento da autonomia, restabelecimento dos vínculos e redução das possibilidades de reincidência, mobilizando também o aparelho do Estado na oferta de políticas públicas a essa população, ao tempo que se apoia o sujeito quanto à decisão pela efetuação da queixa na Delegacia do Idoso, em caso de configuração de situação criminal.

A parceria do CIC com outros órgãos e setores estatais e organizações da sociedade civil constitui uma estratégia com potencial para ampliar as possibilidades de solução às complexas necessidades que subjazem à queixa, reduzindo a judicialização aos conflitos que dela não possam prescindir. 

No contexto do Centro Integrado de Cidadania, o Ministério Público está representado pela 48ª Promotoria de Justiça Criminal do Idoso, que atua nos feitos judiciais do juizado e desenvolve atividades de atendimento ao público e no âmbito do projeto Apoio Legal.  

O art. 127 da Carta Magna em vigência define o Ministério Público como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (BRASIL, 1988).

Apesar de ser uno e indivisível, o Ministério Público se organiza territorialmente e em temáticas de intervenção, havendo: o Ministério Público da União (MPU), que é composto pelo Ministério Público Federal (MPF); o Ministério Público Militar (MPM); o Ministério Público do Trabalho (MPT); o do Distrito Federal e Territórios (MPDFT); e o Ministério Público dos Estados (MPE).

Além das funções investigativas e de acusação, a instituição vem definindo contornos menos rígidos, inclusive do ponto de vista de sua autonomia administrativa e funcional. Em todo o Brasil, representado em cada entidade da federação, assume princípios únicos: unidade, indivisibilidade e independência funcional.

Além da condição de “fiscal da Lei”, o Ministério Público desenvolve atribuições voltadas à defesa de direitos de âmbito coletivo, demandando e fomentando políticas públicas em diversas áreas, como saúde, educação, pessoa idosa, criança e adolescente, defesa da mulher, das minorias étnicas e direitos homoafetivos.

O objeto de atuação da instituição sofreu mudanças e se mostra cada vez mais complexo, razão pela qual o aparato teórico e metodológico tem incorporado continuamente outros embasamentos na organização, dando lugar a modelos de administração orientados para o planejamento sob o enfoque estratégico.

A instituição busca modernizar sua estrutura, qualificando seus membros e servidores para aderir a um modelo de gestão que responda aos principais desafios postos na atualidade, sobretudo no tocante às respostas sociais e à inclusão social. Tais mudanças acompanham a intensificação das problemáticas sociais e econômicas e ocorrem em concomitância com o questionamento do modelo de intervenção do Estado, marcado por profundas transformações de ordem política e técnica que impactam na condução e gestão das organizações de caráter público.

A atuação ministerial, da década de oitenta até os dias atuais, contou com um incremento de instrumentos tecnológicos que buscaram aperfeiçoar a atividade-fim. Os processos de trabalho, os recursos de apoio e as práticas de gestão têm passado por alterações significativas, expandindo visões e suplantando uma lógica meramente burocrática e processual. 

Trata-se, sobretudo, de dar respostas à sociedade, que vem encontrando na instituição um braço de apoio às suas legítimas demandas, afetas à saúde, políticas públicas, relações de consumo, igualdade e enfrentamento da violência de gênero, direito de família, infância e juventude, velhice e Estatuto do Idoso, entre tantas outras áreas que configuram os direitos fundamentais. A escuta à população por meio dos canais da ouvidoria, denúncia e atendimento pessoal tem sido o principal meio de comunicação. 

As audiências públicas e a definição de projetos e programas direcionados por equipes técnicas e promotores de justiça também configuram este cenário mais atual do Ministério Público, sendo o interesse do cidadão e a garantia dos direitos os principais espaços de intervenção ministerial.

A ação do Ministério Público assume outros contornos e a instituição mergulha numa dinâmica de constantes mudanças e desafios. À medida que vai se complexificando, a organização tende a aumentar sua estrutura e seu corpo funcional, atendendo a demandas sempre crescentes. Mais do que um órgão de defesa jurídica da sociedade, o Ministério Público “tornou-se uma instituição política essencial à implementação do projeto democrático que refundou a República em 1988” (GOULART, 2013, p. 200).

De modo a responder aos desafios implicados nessa nova configuração, o Ministério Público recorre aos mecanismos de planejamento, incorporando conceitos capturados das diretrizes da administração pública gerencial, a partir da reforma do aparelho do estado. Intenta, a despeito das diferentes críticas a esse modelo gerencial, superar práticas patrimonialistas e excessivamente burocráticas.

Esforços neste sentido podem ser vislumbrados em normativas como a do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que tratou de resolução específica no ano de 2017 sobre a Política Nacional de Fomento à Atuação Resolutiva do Ministério Público brasileiro (CNMP, resolução 54/2017).

Muitos membros e servidores passaram a redefinir sua atuação e a colaborar incisivamente para a mudança do perfil institucional a partir da formação. Há que se reconhecer que existem esforços para avançar nos instrumentos de gestão disponíveis, inclusive nas possibilidades de qualificação do trabalhador a partir dessa ótica.

Ainda é preciso avançar muito no âmbito da cultura institucional, principalmente no que se refere à repetição de padrões de produtividade baseados apenas no atendimento individual e processual. Essas demandas, evidentemente, não deixarão de ser recebidas, pois fazem parte das tradicionais rotinas de trabalho dos promotores de Justiça. Contudo, a sensibilização às questões coletivas e para a indução de políticas públicas é um caminho que se abre para uma atuação mais eficaz e alinhada com a necessidade de diálogo com os gestores locais. 

Avanços nesse sentido podem ser visualizados na implantação de projetos e programas que apresentam impacto coletivo em seus resultados, modificando índices e modos de trabalho, quebrando o isolamento dos poderes e trazendo maior diálogo institucional e, sobretudo, maiores benefícios para a população.

O projeto Apoio Legal ante os conflitos sociofamiliares e comunitários envolvendo pessoas idosas em situação de violência, numa perspectiva de justiça social

Conforme descrito, o projeto Apoio Legal é uma experiência de intervenção resolutiva entre os órgãos do sistema de justiça que compõem o Centro Integrado de Cidadania (CIC). A Delegacia do Idoso, representando a Secretaria de Defesa Social, abriga a maior parte do primeiro acesso do cidadão aos outros órgãos (Promotoria, Jecrim/Idoso e Defensoria). 

Esse esforço decorre da tentativa de dar respostas aos novos contornos do envelhecimento no Brasil, iniciado após o declínio da taxa de crescimento entre as décadas de 1950 e 1970 (CAMARANO, 2018). As quedas na taxa de crescimento, aliadas à baixa nas taxas de mortalidade, provocaram mudanças na estrutura etária que se percebe atualmente e que terão seu auge em 2050. Também no Brasil, a população idosa tem crescido, acompanhando a tendência mundial de aumento da expectativa de vida. Cresceu 26% em seis anos, entre 2012 e 2018, representando de 11% a 12% da população nacional (PNAD, 2018). 

Segundo Camarano (2018, p.52), “a partir de 2030, o único grupo populacional que deverá crescer será o de 45 anos ou mais”. O Brasil saiu de um quadro de envelhecimento pela base, para um envelhecimento pelo topo, em virtude do fenômeno da longevidade, o que deixará por muito tempo a pauta das políticas públicas em evidência no cenário brasileiro.

O encargo e a angústia com a velhice são bem característicos da sociedade moderna. O lugar do velho diz respeito ao modo como cada cultura entende esse estágio ou ciclo de vida. Ganhar mais tempo ou expectativa em anos vividos é um triunfo da ciência em benefício de toda a humanidade, todavia essa conquista deve estar vinculada ao alcance de um patamar de acesso às garantias sociais e relacionais mínimas, que assegurem qualidade de vida e dignidade ao ser que envelhece. 

O envelhecimento é um tema obrigatório da pauta das políticas públicas e precisa ser publicizado em artigos como o presente, que pontuam a necessidade desse olhar. O público atendido pelo CIC faz parte dos chamados baby boom, os sobreviventes nascidos entre 1940 e 1970, que, segundo Chaimowicz (2018, p. 66), foram beneficiados com “o controle de doenças infecciosas pela incorporação de novas tecnologias de saúde (antibióticos, terapia de reidratação oral) às políticas públicas”. Hoje esses sobreviventes compõem cerca de 25% da população, e são os baby boomers. Com a possibilidade de longevidade para mais de oitenta anos até 2030, essa população muito idosa tornar-se-á os elderly boomers. 

Ser velho, especialmente em contextos econômicos e sociais adversos, é uma situação de risco. Seguindo orientação da ONU, o Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003) e a Política Nacional do Idoso (BRASIL, 1994), ao considerarem o público abrangido, acataram a inclusão da faixa etária a partir de sessenta anos, o determinado para países em desenvolvimento. Países com índices mais elevados de desenvolvimento humano e econômico reconhecem o processo de envelhecimento muito mais tardiamente em termos cronológicos, aos 65 anos. 

Camarano (2018) considera a importância de um olhar atento a essa classificação, indicando que esse segmento 

experimentou ao longo da vida trajetórias diferenciadas que vão afetar a sua velhice, as quais são fortemente marcadas pelas desigualdades sociais, regionais e raciais em curso no país. As políticas sociais podem reforçar essas desigualdades ou atenuá-las, bem como os mitos, estereótipos e preconceitos em relação à população idosa. (CAMARANO, 2018, p. 53)

No contexto de crescimento da pobreza e intensificação do processo demográfico de envelhecimento, percebe-se que alcançar um patamar de autonomia, envelhecimento saudável e exercício da cidadania para o contingente populacional de idosos é um desafio constante. As pessoas idosas cada vez mais têm concentrado atribuições familiares, seja do ponto de vista econômico ou mesmo afetivo, entretanto não têm conquistado um lugar de destaque e respeito na sociedade. Note-se que em 53% dos domicílios brasileiros, pelo menos metade das despesas são arcadas por pessoas com sessenta anos ou mais (BRASIL, 2014).

A mudança de posturas e paradigmas passa, necessariamente, por um processo educativo amplo e por mecanismos de diálogo e intervenção que possam ressignificar a vida dos sujeitos e das famílias envolvidas. Outro fenômeno a ser considerado é o aumento dos idosos que moram sozinhos, bem como a questão da “feminização” do envelhecimento. Cada vez mais, mulheres idosas moram sozinhas. Segundo dados do IBGE (2010), 51,5% da população idosa é mulher. 

O site do Laboratório de Demografia e Estudos Populacionais de Minas Gerais apresenta dados da ONU segundo os quais, para 2040, há uma projeção de 23,99 milhões de homens e 30,19 milhões de mulheres, uma diferença de 6,2 milhões de mulheres em relação à população idosa masculina. A razão de sexo deve cair para 79 homens para cada 100 mulheres entre a população idosa. O Brasil também acompanha tal tendência. Nas Instituições de Longa Permanência, 57,6% dos residentes são mulheres (CAMARANO, 2018). 

Com políticas públicas ainda frágeis para esse grupo populacional, o Brasil conta com uma proteção legal avançada. A Constituição Federal dispõe de seis artigos que contemplam a população idosa (CHAIMOWICZ, 2018). O que definitivamente representa os direitos da pessoa idosa é o Estatuto do Idoso – Lei 10.141/2003  (BRASIL, 2003) –, promulgado dez anos após a Política Nacional do Idoso – Lei 8.842/1994 (BRASIL, 1994). 

Em termos da política de assistência social, está previsto o amparo legal de um salário mínimo como suporte de renda assistencial ao idoso a partir dos 65 anos com ganho per capita igual ou inferior a um quarto do salário mínimo, regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, Lei 8.742/1993) (BRASIL, 1993).

Do ponto de vista do conceito, o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) considera violência contra a pessoa idosa “qualquer ação ou omissão praticada em local público ou privado que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico”. Segundo Minayo (2018), os tipos mais frequentes da violência que afetam a pessoa idosa são maus-tratos físicos, abusos psicológicos, violência sexual, abandono e negligência, violência autoinfligida, violência patrimonial e financeira. Ainda segundo essa autora, no Brasil, os tipos mais comuns de violências são a estrutural (pobreza, miséria), a familiar e a institucional. 

A estimativa de subnotificação das violências contra a pessoa idosa acha-se em torno de 70% (IPEA, 2006). Os dados de violência doméstica e familiar são difíceis de apreender, tendo em vista que as possibilidades de intimidação, dependência e fragilização das pessoas idosas é maior. Os principais algozes são filhos, netos, genros e outras pessoas da família. As violências ocorrem majoritariamente nos lares: 60% das ocorrências são dentro de casa. À negligência (69,7%), seguem-se abusos psicológicos (59,3%) e físicos (32%) (BRASIL, 2014).

O abuso sexual é infimamente notificado; atinge quase exclusivamente as mulheres, havendo claramente componentes de gênero a serem incrementados na discussão. O abuso financeiro é responsável por 60% das queixas levadas à polícia ou ao Ministério Público brasileiro (BRASIL, 2014). 

Loureiro e Faleiros (2010) discutem largamente a questão da violência contra a pessoa idosa, colaborando para a reflexão do que chamam de “conluio do silêncio”, uma espécie de pacto social e familiar que permite tolerar a existência de manifestações da violência no cotidiano da pessoa idosa. Quando esse pacto se quebra, a delegacia é o órgão que se destaca, no sistema de justiça, pela sua capilaridade e proximidade da população.

Assim, é comum o idoso ou sua família recorrerem a “soluções imediatas” e, a seus olhos, fáceis, demandando, na delegacia, o afastamento de supostos agressores, a interrupção da prestação financeira e de cuidados, a institucionalização, a assistência a familiares usuários de álcool e drogas ou até mesmo a resolução de situações em que sobressai um transtorno mental na família ou no próprio idoso. 

Na esteira dessa reflexão, o entendimento do que seja justiça social deve transitar por discussões que envolvam a superação de uma perspectiva pragmática da aplicação das leis e do direito. A noção do contexto social, do acesso à justiça e dos bens econômicos e culturais produzidos socialmente compõem o universo conceitual da justiça social (PIZZIO, 2016). 

A noção de conflito subjaz à reflexão sobre justiça social. Divergências e diferenças descortinam o reconhecimento de um lugar social de exclusão ou não pertencimento e, a partir de então, a reivindicação de outra “acomodação” ou tessitura social. Adentra-se, assim, o campo da luta política e da mediação do Estado, “esse grande regulador do curso da vida” (MINAYO, 2003, p. 785) nas relações sociais e econômicas.

A escassez e a exclusão provêm da desigualdade; esta circunstância gera conflitos, pobreza e extrema pobreza, e, por consequência, “inadequações” ao sistema e à ordem pública vigente. Assim, toda política social é compensatória e guarda a contradição de reprodução social, inclusive das desigualdades que a originaram. 

De acordo com Menicucci (2018, p. 170): 

A escolha de políticas sociais por parte de determinada sociedade é uma questão de valores morais e políticos relacionados àquilo que uma sociedade, em determinado momento e no interior de sua história política e social, entende como justo ou moralmente defensável prover, proteger ou corrigir.

Em síntese, a justiça social pode ser concebida como o lócus da igualdade formal e existencial humana, no qual as diferenças constituídas no âmbito coletivo, inclusive pela ordem do capital, ganham um contorno e um olhar do Estado, mediatizado por políticas públicas para o alcance da equidade. É uma discussão que afeta categorias e conceitos amplos, a contemplar o exercício da cidadania e a pauta do Estado, vindo a responder às demandas sociais inerentes às contradições produzidas e reproduzidas em cada contexto social e histórico.

No Brasil, particularmente, o legado histórico escravocrata, ruralista, ditatorial e patriarcal configurou contextos adversos e excludentes, demarcando características bem próprias desse tipo de sociedade. A noção de direitos e a constituição do Estado democrático só se instituem, mais claramente, sob a égide da Constituição de 1988 e das lutas democráticas que levaram o período ditatorial ao ocaso (MASTRODI, 2017). Mesmo assim, guardam-se heranças e contradições culturais e históricas que reproduzem diariamente essas práticas, além das extremas desigualdades econômicas, um tema caro à discussão da justiça social.  

As desigualdades seguem sendo expressamente reproduzidas no Brasil. O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), da Organização das Nações Unidas (ONU), revela que o Brasil ocupa o quarto pior lugar no índice de desigualdade entre os países da América Latina. Pernambuco, segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE (2020), encontra-se no terceiro lugar relativo aos estados com maior concentração de renda em âmbito nacional, sendo Recife a campeã de desigualdade na região Nordeste. 

São questões que dizem respeito, sobretudo, à escassez histórica a que grande parte da população é submetida, devido à construção progressiva das disparidades sociais, implicando ausência ou precariedade no acesso ao trabalho e à renda, dificuldade no ingresso das políticas públicas, seja de saúde, assistência social ou previdência, desigualdades de gênero, idade, classe, etnia/raça e território (urbano e rural). 

Uma das maiores consequências dessa realidade é vislumbrada no modo de acesso à justiça por grande parte dessa população, a qual se faz representar nos atendimentos do projeto Apoio Legal. Não sabendo identificar as demandas afetas à área cível, recorre ao que mais se aproxima de sua visão de justiça, a Delegacia de Polícia do bairro. Michel Foucault alertava para essa conjuntura arquitetônica da sociedade disciplinar, o que ele denominava “estrutura panóptica”, configurada por uma extensão monitoradora do Estado, através das delegacias, “mínimas instâncias de poder disseminadas na sociedade” (FOUCAULT, 2002, p. 177). 

Por sua extensão e capilaridade, a população mais vulnerável identifica a polícia como a única solução de conflitos. Muitas vezes é só esse aparelho do Estado que está presente nos territórios e comunidades, amparando os conflitos sociofamiliares e comunitários pelo viés do controle e do modelo criminal. Os juizados especiais precisam reconhecer essa realidade e achar formas de acolher as necessidades (sempre complexas) desse público.

2 Quatro órgãos e um destino: resolutividade baseada na noção de justiça social

A ideia de uma proposta de intervenção contou com o protagonismo dos gestores das quatro instituições que integram o CIC, que, instigados pelas demandas das equipes técnicas, passaram a se reunir sistematicamente em torno da elaboração do projeto Apoio Legal, cuja construção segue descrita, bem como o modelo de intervenção, à guisa de resultados.

       O processo de construção do projeto 

Sendo a Delegacia o órgão mais demandado pela população quando procura o Centro Integrado de Cidadania, o primeiro atendimento tende a ser imediato e pontual, visando resolver uma demanda que também se apresenta do mesmo modo. Contudo, questões mais complexas, associadas às desigualdades sociais e vulnerabilidades familiares subjacentes às situações de violência ou de violação de direitos envolvendo a pessoa idosa, exigem intervenções para além da esfera da justiça. 

De fato, a intervenção no contexto desses conflitos exige uma abordagem técnica intersetorial e em rede, como afirmam diversos autores, a exemplo de Moraes et al. (2020). Foi nessa perspectiva de ações em rede que os órgãos integrantes do CIC viram no projeto Apoio Legal uma forma de concretizar a integração entre eles, favorecendo a resolutividade dos problemas e visando à justiça social.

Assim, o Apoio Legal foi construído para atender a demandas que, embora associadas aos conflitos, ficavam reprimidas na Delegacia por não se enquadrarem exatamente em nenhuma tipificação penal ou mesmo por serem identificadas como demandas de natureza cível. Essas situações, muitas vezes, indicavam apenas a ponta do iceberg, cuja base estava marcada por diversas situações de vulnerabilidade e exclusão social das famílias envolvidas nos conflitos, sendo evidente, na grande maioria dos casos, a ausência de proteção social do Estado.

Ressalte-se que as ações sistematizadas no projeto já faziam parte do trabalho das equipes técnicas, que identificavam no cotidiano de suas práticas a necessidade de articular redes intersetoriais, especialmente as de saúde, assistência social e justiça, para responder a necessidades sociais e sociofamiliares, entre outras relacionadas aos direitos de cidadania, que, judicializadas, “escapavam” aos olhos do sistema de justiça.

Embora tenha sido criada há 15 anos, a integração entre os quatro órgãos públicos que compõem o Centro Integrado de Cidadania era uma meta a ser alcançada até o ano de 2019, quando foram iniciadas as tratativas para a construção e a formalização do projeto Apoio Legal.

Do ponto de vista técnico, o projeto já vinha sendo gestado pelas equipes dos órgãos envolvidos, compostas por uma psicóloga, uma assistente social e uma estagiária de serviço social do TJPE; uma assistente social e uma estagiária de serviço social do MPPE; e uma assistente social da Defensoria Pública. A Delegacia do Idoso não possui equipe técnica especializada.

Naquele ano, mesmo antes da primeira reunião com os gestores dos quatro órgãos (48ª PJ Criminal, Jecrim/Idoso, Defensoria e Delegacia) para discutir a formalização do projeto, foram construídos os instrumentais técnico-operacionais (fichas de atendimento e encaminhamento, planilha de cadastro dos parceiros, atualização de lista de contatos etc.), definida a escala de atendimento, elaborados protocolos, criados os fluxos, realizados contatos com parceiros governamentais e não governamentais, entre outras ações, de modo a construir as condições técnicas de operacionalização do projeto. 

Considerando que as atividades regulares das profissionais seguiam a sua rotina normal, atreladas aos processos judiciais, cada qual na sua esfera, foi criada uma escala de atendimento exclusivamente para o projeto, a fim de que todas as pessoas que procurassem o CIC fossem acolhidas e suas demandas fossem resolvidas ou encaminhadas.

Desse modo, no primeiro semestre de 2019, finalizada a primeira versão do projeto, após reuniões sucessivas entre os gestores dos órgãos e as equipes técnicas, foram iniciadas as ações no segundo semestre. Julho a outubro de 2019 foi o período de experimentação e correção dos instrumentos de trabalho, aperfeiçoamento do fluxo de atendimento e encaminhamento, bem como de fortalecimento das parcerias e o cadastramento de parceiros novos. 

Já no segundo semestre, os integrantes dos órgãos que fazem o CIC, representados pela 48ª PJ Criminal/MPPE e pelo Jecrim/idoso/TJPE, iniciaram as tratativas com a Coordenação dos Juizados Especiais/TJPE para discutir a elaboração de um Termo de Cooperação Técnica entre os quatro órgãos, com o objetivo de formalizar o projeto Apoio Legal, tendo sido enviado ao gabinete da presidência do TJPE a primeira versão já no mês de setembro de 2019. 

Nesse período, a 48ª Promotoria Criminal/MPPE, em conjunto com as equipes técnicas, apresentaram o projeto e seus resultados parciais na reunião da Câmara de Articulação do Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria, vinculada ao Pacto pela Vida, realizada no dia 17/9/2019, como estratégia de articulação política para viabilizar os trâmites de assinatura do Termo de Cooperação Técnica no âmbito do TJPE.

Iniciando o ano de 2020 com a pandemia de Covid-19 ‒ a maior crise sanitária da história da humanidade nos últimos cem anos ‒, mais do que nunca o projeto Apoio Legal mostrou-se necessário, em razão do aumento da violência doméstica, especialmente contra as pessoas idosas.

Desse modo, tendo como marco temporal institucional o mês de março de 2020, atos e resoluções institucionais limitaram o atendimento ao público direto nas dependências do Ministério Público, do Poder Judiciário e da Defensoria Pública. Essas normativas determinaram, para todo o ano de 2020, gradualmente, readequações importantes na dinâmica do acolhimento do projeto Apoio Legal, que, antes, se fazia exclusivamente de forma presencial.

Nessas circunstâncias, em que pese, ainda, a mudança do titular da Delegacia do Idoso logo no primeiro semestre, o projeto seguiu sendo executado ‒ inclusive com a importante colaboração da nova titular da delegacia. Estratégias de atendimento ao público diferentes das usuais foram adotadas no âmbito do projeto, com a disponibilização de um canal de atendimento por telefone para acolhimento das demandas, orientações e encaminhamentos. Alguns atendimentos presenciais também foram realizados no período pandêmico de 2020, ao tempo que foram disponibilizados canais de comunicação por telefone e e-mail.

Em outra frente, mantiveram-se as articulações por parte da 48ª PJ Criminal/MPPE e do Jecrim/idoso/TJPE, objetivando a assinatura do Termo de Cooperação Técnica. Assim, após garantir o agendamento de uma reunião com a assessoria da presidência do TJPE, na qual o CIC foi representado pela 48ª PJ Criminal, o Jecrim/Idoso e a equipe técnica, contando com representação da Defensoria Pública e com a Coordenação dos Juizados Especiais, realizada no final de setembro, ficou ajustado o dia 1º de outubro, Dia Internacional do Idoso, para a realização da solenidade de assinatura do Termo.

Foi a partir daí que o projeto Apoio Legal, agora institucionalizado no âmbito dos quatro órgãos que compõem o Centro Integrado de Cidadania, reforçou suas estratégias de articulação interna, por meio de reuniões virtuais, contatos de WhatsApp e outras formas remotas de articulação, tendo em vista o distanciamento social que a pandemia impunha à realização das atividades do CIC. O único dos quatro órgãos que manteve permanentemente o atendimento presencial desde o início da pandemia de Covid-19 foi a Delegacia do Idoso, órgão estratégico na operacionalização do projeto, uma vez que constitui a principal porta de entrada das demandas relativas à violência contra pessoas idosas no CIC.

Programou-se, para os meses de novembro e dezembro de 2020, uma capacitação para servidores, técnicos, agentes, pessoal terceirizado e outros profissionais que atuam no CIC, a respeito da temática que envolve a pessoa idosa em situação de violência, incluindo aspectos relativos às suas condições específicas, à rede de cuidados e atendimento, bem como aos fluxos processuais que articulam as atividades dos quatro órgãos. 

Com essa estratégia, buscou-se ampliar a capacidade resolutiva do Centro Integrado de Cidadania num momento de restrições operacionais, em razão da pandemia. Foram concluídas em 2020 duas turmas da capacitação, com quatro horas cada uma, totalizando 50% dos profissionais do CIC. Essa estratégia permanece entre os objetivos do projeto, de acordo com o cronograma de retorno das atividades presenciais no ano de 2021, de modo que 100% dos profissionais serão capacitados.

Essa foi uma experiência que parece ter agregado ao projeto, em apenas um mês após a sua institucionalização, uma orientação prática em relação àqueles que estão no início do fluxo de atendimento, os agentes de polícia. A capacitação preencheu lacunas que estavam no cerne de muitos equívocos nos encaminhamentos da delegacia, sendo mais evidentes as dificuldades relativas às redes de atendimento e aos fluxos internos do Centro Integrado de Cidadania.

Modelo de intervenção

A intervenção foi construída sob dois eixos: i) acolhimento e escuta; e ii) orientação e encaminhamento.

Acolhimento e escuta

O atendimento se inicia no momento em que um indivíduo procura espontaneamente o CIC para solicitar apoio e aceita ser incluído no projeto. É então preenchida uma ficha na qual constam dados sociodemográficos e econômicos, bem como os relativos à demanda que justificam a busca pelo atendimento no projeto. Esse momento é também de acolhimento, da escuta atenta e sensível à necessidade do outro, de modo a reconhecer sua demanda como legítima, independentemente dos valores de quem atende.

Durante o ano de 2020, os atendimentos advieram principalmente por meio das redes intersetoriais, representados em maior número de situações encaminhadas pela Delegacia do Idoso, o que era de se esperar, em face das restrições na maioria dos órgãos públicos durante a pandemia, estando a delegacia de porta aberta permanentemente nesse período. No caso do MPPE e do TJPE, os atendimentos presenciais foram interrompidos em meados de março de 2020, sendo retomados posteriormente, a partir de setembro do mesmo ano, apenas para casos considerados emergenciais, permanecendo assim até o final do ano.

A grande maioria dos atendimentos ocorreu por meio de contatos telefônicos, o que restringiu em alguma medida a quantidade de pessoas que acessaram a equipe, apesar de as chamadas telefônicas do Núcleo de Apoio Psicossocial/TJPE terem sido desviadas para uma das técnicas do projeto, cujo número já era de conhecimento público. Essa também foi a estratégia adotada pelo Ministério Público, cujas chamadas telefônicas da 48ª Promotoria Criminal do Idoso também foram desviadas para a assistente social.

Orientação e encaminhamento

Por meio de instrumento próprio, a pessoa idosa (ou outro demandante que a represente) é orientada a respeito dos caminhos para a solução de sua demanda, tendo em vista os órgãos parceiros, integrantes das redes dos sistemas de saúde, proteção social e justiça, a exemplo de universidades, e organizações da sociedade civil. Em muitos desses casos são realizados contatos prévios (por meio de telefone ou redes sociais) com os técnicos e gestores dos órgãos parceiros. Na maioria das vezes, por se tratar de órgãos públicos da saúde ou assistência social, são encaminhados ofícios/e-mails relatando a demanda e solicitando apoio e retorno para a solução do caso.

No ano de 2020, em razão da situação pandêmica, o acesso aos serviços da rede (saúde, assistência social e justiça) sofreu certa restrição, sendo uma das principais razões a dificuldade dos idosos em lidar com as tecnologias da informação e da comunicação. As barreiras tecnológicas intensificam a situação de vulnerabilidade da pessoa idosa neste momento pandêmico, uma vez que, associadas à baixa escolaridade, reduzem as possibilidades de esse grupo populacional acessar os atendimentos remotos e por call center, oferecidos pela maioria das instituições.

Pesquisa recente realizada pelo Sesc São Paulo e Fundação Perseu Abramo (SESC, 2020) identificou que 20% dos idosos não sabem ler nem escrever; entre os idosos que sabem o que é a internet (81%), 38% nunca fizeram uso dela. Também foi evidenciado nessa pesquisa que, ao contrário dos não idosos, 62% dos idosos citam que nunca usaram redes sociais e 72% nunca usaram aplicativos.

Área de Abrangência e período de execução

 A área de abrangência é o município de Recife, contudo pessoas advindas de outros municípios também são acolhidas, sendo realizadas as intervenções com encaminhamentos para a rede vinculada aos municípios correspondentes. O período de execução em questão foi de janeiro a dezembro de 2020.

Instrumentos e Técnicas

O atendimento presencial é realizado por uma entrevista individual ou familiar, durante a qual são coletados dados gerais, sendo também indicados os encaminhamentos realizados. A entrevista é registrada em instrumento próprio, uma ficha de atendimento elaborada pela equipe técnica, já corrigida após a “ação piloto”, por meio da qual se faz o cadastro do demandante e são inseridos dados de identificação geral e sociodemográficos da pessoa denunciante e da pessoa idosa envolvida. Esse instrumento contém dados de endereço, identificação familiar e da natureza do conflito ou demanda, renda, escolaridade, entre outros.

Para os atendimentos por contato telefônico também foi realizada a entrevista e o acolhimento (nesse caso, obviamente, apenas individual), contudo os dados registrados foram mais restritos, em razão da dificuldade de coleta de informações pessoais e, muitas vezes, sigilosas por meio de contato remoto. Para esses casos, foi utilizada uma planilha simplificada na qual foram resumidas informações gerais sobre a pessoa idosa demandante, registros da demanda, orientações e encaminhamentos realizados.

Fluxo do projeto

Conforme apresentado na figura a seguir, as intervenções ocorrem, majoritariamente, em demandas não judicializadas, isto é, sobre as quais não foram abertos processos judiciais no CIC. Desse modo, o fluxo se inicia com a chegada do sujeito ao CIC, que pode se dar pela Delegacia do Idoso ou pela recepção no Centro Integrado. Se foi pela Delegacia e houve registro do Boletim de Ocorrência (BO) ou do Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), o indivíduo toma conhecimento do projeto e, em vista de a demanda ter sido registrada, segue, portanto, os trâmites processuais regulares do sistema de justiça, podendo, caso deseje, procurar a equipe técnica. 

Por ocasião desses registros, poderá ser identificada pelo agente policial alguma outra situação familiar conflituosa, de ordem cível, que demande intervenções no âmbito do projeto Apoio Legal. Caso o agente não identifique crimes na demanda apresentada e verifique a necessidade de intervenção no âmbito do projeto, deve encaminhar o sujeito à equipe técnica. No caso da demanda espontânea que chega pela recepção do CIC, o sujeito é direcionado à equipe técnica do projeto Apoio Legal.

Em todos os casos, após as intervenções, a equipe identifica a necessidade de articular a rede intersetorial (saúde, assistência social e justiça), permanecendo vinculado àquele sujeito, numa eventual necessidade de retorno. 

Figura 1. Fluxo

Delegacia do Idoso

Recepção do CIC 

SUJEITO

Boletim de Ocorrência/ Termo Circunstancial de Ocorrência

PROJETO APOIO LEGAL

SIM

Segue os trâmites processuais regulares

CIC

NÃO

Rede intersetorial (saúde, assistência social, justiça etc.)

Delegacia do Idoso

Recepção do CIC 

SUJEITO

Boletim de Ocorrência/ Termo Circunstancial de Ocorrência

PROJETO APOIO LEGAL

SIM

Segue os trâmites processuais regulares

CIC

NÃO

Rede intersetorial (saúde, assistência social, justiça etc.)

 

    

Fonte: Elaboração das autoras.

3 Panorama das intervenções 

 Conforme mencionado, o projeto Apoio Legal, concebido em 2019, foi efetivamente iniciado e institucionalizado no ano de 2020, num contexto de uma crise sanitária mundial sem precedentes, associada à pandemia de Covid-19, com fortes impactos negativos em diversas áreas da vida em sociedade, como também na economia e na oferta de políticas públicas. Os impactos dessa crise foram sentidos particularmente entre os grupos mais vulneráveis do país, como os idosos, que viram se intensificar o já dramático quadro de desigualdades sociais e violência a que são submetidos.

 Pelo perfil dos atendimentos realizados nesse curto período de um ano, viu-se que se repete um quadro no qual a vulnerabilidade dos idosos se evidencia e, no contexto pandêmico, até se acentua. Conforme se nota pelos dados levantados, os idosos foram representados nos atendimentos do projeto, majoritariamente, por pessoas do sexo feminino, viúvas, analfabetas, de raça negra, na faixa etária entre sessenta e setenta anos e renda familiar inferior a três salários mínimos. Observou-se, ainda, que tinham como fonte de renda as aposentadorias e pensões; o Benefício de Prestação Continuada (BPC) representava a terceira maior fonte.

Importante destacar a relevância desses idosos no suporte financeiro do grupo familiar, constituindo-se em arrimo de família, com a renda individual compondo a maior parte da renda familiar total, sendo esse mais um dado que se coaduna a diversos estudos sobre o tema (NERI, 2020; MINAYO, 2019).

Do ponto de vista das demandas, foram encontradas aquelas de natureza criminal, embora em menor proporção devido ao viés do projeto. Observou-se sobretudo um padrão de natureza cível bastante heterogêneo. Nesse aspecto, destacam-se os conflitos no âmbito doméstico/familiar, relacionados à administração de cuidados com a pessoa idosa, de seus bens/renda, curatela, patrimoniais, entre outros. 

Um destaque necessário nesse ponto refere-se a expressivas demandas relativas a conflitos na administração dos cuidados dos idosos em família. Observou-se uma grande parcela de mulheres exaustas procurando o projeto, assoberbadas com a responsabilidade individual do cuidado somada aos afazeres domésticos no domicílio.

Conforme mostram dados da PNAD 2020 (IBGE, 2020), as mulheres não ocupadas dedicavam, em média, 24 horas por semana a esse conjunto de atividades, enquanto os homens não ocupados, 12,1 horas. Trata-se de uma questão relevante de desigualdade de gênero que, além de trazer óbvio sofrimento às mulheres, eleva os riscos de violência contra idosos (MINAYO, 2019).

De igual modo, viram-se demandas relativas às barreiras de acesso a serviços de saúde pública, com especial relevância àquelas envolvendo saúde mental e uso ou abuso de álcool e outras drogas. Na maior parte dos casos, observaram-se usuários (idosos ou familiares) ainda não assistidos nos serviços territoriais da Rede de Atenção Psicossocial do SUS (como os Centros de Atenção Psicossocial-CAPS), ou mesmo assistidos, porém apresentando um quadro de difícil manejo pelas equipes de saúde desses serviços, cuja base do projeto terapêutico está justamente na família. Essas demandas, de modo sistemático, têm indicação de acompanhamento pela equipe do Apoio Legal, com garantia de retorno ao projeto quanto aos resultados das intervenções na rede de saúde.

Também foram verificadas diversas demandas relativas aos serviços de proteção social, sendo mais frequentes aqueles ofertados pelos Centros de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS), indicando situações de maior vulnerabilidade e risco, uma vez que esse serviço é referenciado para situações de proteção social especial de média ou alta complexidade.

Quanto aos encaminhamentos, estes se caracterizaram pela articulação de redes intersetoriais cujos serviços e ações encontravam-se no escopo do projeto, sendo de modo geral vinculados aos programas e políticas do Sistema Único de Saúde (SUS) e de proteção social do município, bem como a unidades do Ministério Público, a exemplo do Núcleo de Justiça Comunitária e do Tribunal de Justiça, como as Centrais de Mediação de Conflitos. Foi observada a relevância de serviços que atuam no campo da conciliação e mediação de conflitos, em vista de as demandas majoritariamente ocorrerem no âmbito da justiça cível.

Cabe ressaltar a importância do Núcleo de Justiça Comunitária como espaço de atuação extrajudicial do MPPE, cuja parceria bem-sucedida com o projeto permitiu fluxos de informação e encaminhamentos adequados, com acolhimento e retorno rápido das respostas às demandas. Essa experiência, embora pontual, sugere que o sistema de justiça pode se expandir muito mais para promover a justiça social, sendo essa uma contribuição que expressa um importante avanço do Ministério Público para a posição na qual Goulart (2013, p. 203) o coloca justamente, isto é, “de agente privilegiado da luta pela democratização das relações sociais e pela globalização dos direitos de cidadania”.

As estratégias de monitoramento e acompanhamento dessas ações estão em construção, haja vista as intermitências que a crise sanitária da pandemia de Covid-19 impôs ao cotidiano da realidade social, econômica e política brasileira.

Se, por um lado, identifica-se nesses dados um perfil populacional potencialmente de alto risco social, por outro, eles apontam para a importância dos atendimentos a uma parcela da população que, em razão das restrições que em tempos normais já são crônicas, enxergam na delegacia o espaço de acolhimento do complexo conjunto de suas demandas. 

Os dados também indicaram que foi por meio da delegacia, ininterruptamente aberta nesses tempos de crise sanitária, que os sujeitos acessaram o projeto Apoio Legal, seja após o registro dos Boletins de Ocorrência ou do Termo Circunstancial de Ocorrência, seja por meio dos contatos remotos (telefone ou e-mail), cuja orientação foi incorporada pelos agentes de polícia. Tal integração permitiu a expansão da atividade policial, ampliando estrategicamente a capacidade resolutiva do CIC, pois aproximou a Delegacia, na prática, aos demais órgãos que integram o Centro Integrado.

Na experiência, a atuação integrada entre os órgãos públicos no CIC teve no quadro de crise sanitária um desafio a mais, visando pôr em prática o projeto interinstitucional, concebido para responder às demandas desses grupos vulneráveis. Pode-se mesmo sugerir que, sob os auspícios do dramático quadro trazido pela pandemia, a institucionalização do Apoio Legal ‒ por meio da assinatura do Termo de Cooperação Técnica ‒ foi um imperativo. Nessa perspectiva, o projeto se inclui entre os esforços compensatórios das desigualdades sociais, aproximando-se de programas de acesso aos mínimos existenciais e de sobrevivência nesse contexto de crise.

4 Considerações finais

O presente trabalho buscou descrever a atuação integrada de órgãos do Sistema de Justiça criminal na construção e execução do projeto Apoio Legal, resultante de Termo de Cooperação Técnica, balizado entre as instituições para o atendimento ao idoso e familiares em situação de vulnerabilidade ou de violação de direitos.

Discutiram-se aspectos envolvendo a mudança de paradigma institucional, diante da ampliação do foco de intervenção do Ministério Público brasileiro, a considerar o contexto de democratização e aproximação às demandas da sociedade. A noção de justiça social também vem sendo incorporada nesses contextos, já que o Ministério Público brasileiro coloca-se como agente indutor de políticas públicas nas mais diversas áreas onde se inclui a pessoa idosa, tema desenvolvido neste artigo.

O enfrentamento da violência contra a pessoa idosa é um desafio, sobretudo por se tratar de um dado subnotificado e silenciado no interior dos lares. A busca por respostas e alternativas de escuta e orientação é, pois, uma ação necessária, tanto à pessoa idosa em situação de fragilidade/violação, como aos familiares e à comunidade. Neste sentido, a crise sanitária associada à pandemia da Covid-19, sob a égide da qual o projeto Apoio Legal foi institucionalizado, representou um desafio adicional.

O projeto Apoio Legal surge nesta perspectiva, tomando como referência a atuação multidisciplinar e interinstitucional, voltada à escuta, ao apoio e à orientação de uma equipe especializada. Assim, a complexidade da demanda termina por inaugurar processos de trabalho inéditos e coletivos para a história do CIC, nos quais a análise compreensiva da situação do usuário e a qualificação da escuta e dos encaminhamentos tomam a proporção de uma atuação integrada e em rede.

À guisa de resultados, apresentaram-se aspectos relativos ao processo de construção, bem como ao modelo de intervenção, discutidos à luz de referências teóricas sobre o tema. Nesse sentido, destacam-se alguns aspectos aqui considerados como indicativos de mudanças nas práticas institucionais, tanto no que se refere a cada instituição individualmente como no contexto de suas inter-relações, conforme abaixo:

  • a melhoria no fluxo de atendimento à população a partir do acolhimento das demandas encaminhadas ao projeto; 
  • a melhoria no diálogo interinstitucional, no âmbito das práticas no Judiciário e fora dele, onde se inclui a rede de assistência social e saúde, reforçando o compromisso para além da lógica criminal e meramente processual;
  • o conhecimento mais realístico das demandas, do perfil do grupo populacional “idoso” atendido no CIC e das suas complexas necessidades, com a formação de um banco de dados do projeto em permanente alimentação;
  • maior integração e fortalecimento institucional em torno do trabalho em equipe e reprodução dos valores institucionais quanto a humanização, resolutividade e quebra de paradigmas relacionados ao acesso à justiça;
  • introdução de uma cultura organizacional de “porta aberta” ao público, promovendo quebra de barreiras na comunicação e no atendimento, o que também consolida a democratização do acesso.

A atuação do Ministério Público e dos órgãos de justiça, sob a ótica da resolutividade e justiça social, não deve prescindir do apoio interdisciplinar e psicossocial; do acolhimento humanizado; da análise compreensiva da realidade social; e da tessitura de redes institucionais de apoio.

Registre-se finalmente que, no âmbito do projeto Apoio Legal, as demandas se expressam principalmente nos campos da saúde, assistência social e mediação de conflitos para os cuidados com a população idosa, o que demonstra a necessidade de fortalecimento dessas políticas e do direcionamento de programas e ações que visem dar o suporte familiar ao exercício dos cuidados integrais.

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