O Ministério Público brasileiro na efetivação de direitos da população LGBTI: breve análise de casos concretos no STJ e STF

Gustavo Henrique Holanda Dias Kershaw

Promotor de Justiça do Ministério Público de Pernambuco

 

RESUMO

O presente artigo faz uma análise de decisões dos Tribunais Superiores brasileiros, ou seja, Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF), na efetivação de direitos da população LGBTI, na perspectiva dos posicionamentos do Ministério Público, seja como autor das ações ou como fiscal da ordem jurídica. Constata-se que ora o Ministério Público defende a garantia de direitos de igualdade ora vai de encontro a esses anseios igualitários. Foram abordadas as decisões referentes a direitos previdenciários, união homoafetiva como entidade familiar, adoção por casais homoafetivos e, brevemente, análise do caso sob apreciação do STF quanto à criminalização da homofobia.

 

1 Introdução

No Brasil, decisões judiciais têm promovido o reconhecimento de direitos da população LGBTI, enquanto a legislação tem falhado no reconhecimento das demandas por igualdade. Assim, a via judicial tem se tornado uma válvula de escape na proteção dos direitos de diversos grupos vulneráveis na sociedade, dentre os quais a comunidade LGBTI – gays, lésbicas, travestis, transexuais, etc.

Com efeito, é evidente a dificuldade de acesso de demandas desta população por meio dos Poderes Executivo e Legislativo, levando diversas pessoas no País a procurarem os mecanismos judiciais para a concretização de suas necessidades.

Muitas dessas dificuldades se relacionam com a questão majoritária. Após a Constituição da República, de 1988, sobretudo nos últimos anos, percebe-se significativo avanço da jurisdição constitucional, assumindo o Poder Judiciário papel político de destaque em defesa das minorias. Nas palavras de Luís Roberto Barroso, “consistente em dar uma resposta às demandas sociais não satisfeitas pelas instâncias políticas tradicionais”.[1]

Enquanto se redige este pequeno artigo, sem pretensões de cientificidade, o Supremo Tribunal Federal aprecia a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26, a respeito da omissão legislativa do Congresso Nacional em criminalizar condutas discriminatório-homofóbicas no país.

 

2 Análise de casos concretos

Um dos princípios que rege a jurisdição, seja ela constitucional ou ordinária, é o da demanda, ou seja, a movimentação inicial da jurisdição é condicionada à provocação do interessado. Como leciona Daniel Assumpção, “significa dizer que o juiz – representante jurisdicional – não poderá iniciar um processo de ofício, sendo tal tarefa exclusiva do interessado”[2].

O Ministério Público brasileiro, nesse contexto, representa (ou deveria representar) papel importante na luta pela concretização, garantia e respeito de direitos da população LGBTI.

Analisando as decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sob a perspectiva do papel institucional do Ministério Público nas ações judiciais, constata-se que ora a instituição defende os direitos da população LGBTI, ora parte dela está indo de encontro aos anseios de igualdade de direitos. Para ser justo, os posicionamentos do Ministério Público Federal, em especial, perante as Cortes Superiores, representam forte propulsor de avanços.

 

2.1 Benefícios previdenciários

Inicialmente, o primeiro avanço na garantia de direitos LGBTI foi no Direito Previdenciário, reconhecendo-se benefícios previdenciários aos companheiros nas uniões homoafetivas, até então carentes do necessário reconhecimento estatal.

Em meados de 2005, o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Recurso Especial (REsp) nº 395.904, decidiu pela possibilidade da concessão do benefício previdenciário de pensão por morte ao companheiro do de cujus. Inicialmente, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) havia negado o requerimento administrativo, razão pela qual apelou, assim como também apelou o Ministério Público Federal, ao entendimento de que a norma do §3º do art. 226 da Constituição da República não exclui a união estável entre pessoas do mesmo sexo, devendo ser observado, ao propósito, o princípio constitucional da igualdade.

Atuando como fiscal da ordem jurídica, o Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República, Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos, manifestou-se nos seguintes termos:

PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRO HOMOSSEXUAL. Recurso do INSS, objetivando afastar o direito de companheiro a receber pensão por morte, em razão de união homossexual.

Não se verifica interesse recursal do INSS, ao sustentar a ilegitimidade da atuação do MPF, se o autor também apelou, devolvendo ao Tribunal a quo toda a discussão do tema. O fundamento utilizado pela autarquia recorrente, de violação ao art. 535 do CPC, com o intuito de ver os embargos e declaração novamente apreciados, por si só, não seria apto a modificar o acórdão recorrido.

Deve ser reconhecido o direito à pensão por morte do companheiro homossexual, em atenção aos princípios constitucionais do respeito à dignidade da pessoa humana, da isonomia e da proibição da discriminação por motivos sexuais.

Reconhecimento, pelo INSS, por meio da Instrução Normativa nº 25/2000, da possibilidade de concessão de benefícios previdenciários a companheiros homossexuais. Norma editada por força de liminar em ação civil pública, proposta pelo MPF gaúcho, com eficácia erga omnes.

Parecer pelo não conhecimento do apelo especial, diante da ausência de interesse recursal. Caso conhecida a irresignação, opina-se pelo seu total desprovimento, de sorte a se manter na íntegra o acórdão recorrido.

 

2.2 União homoafetiva como entidade familiar

 

Uma das mais importantes decisões, senão a mais relevante, do Supremo Tribunal Federal em relação a direitos da população LGBT foi o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132[3], que reconheceu as uniões homoafetivas como entidade familiar.

A ação foi ajuizada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro. O pronunciamento[4] da Procuradoria-Geral da República, firmado pela então Procuradora-Geral, Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, ressaltou a discriminação legislativa em desfavor das uniões homoafetivas e de seu valor como família, de cujo conteúdo se destaca:

a igualdade impede que se negue aos integrantes de um grupo a possibilidade de desfrutarem de algum direito, apenas em razão de preconceito em relação ao seu modo de vida Mas é exatamente isso que ocorre com a legislação infraconstitucional brasileira, que não reconhece as uniões entre pessoas do mesmo sexo, tratando de forma desigualitária os homossexuais e os heterossexuais […] Na verdade, sob a aparente neutralidade da legislação infraconstitucional brasileira, que apenas protegeu juridicamente as relações estáveis heterossexuais, esconde-se o mais insidioso preconceito contra os homossexuais. […] o reconhecimento jurídico da união entre pessoas do mesmo sexo não enfraquece a família, mas antes a fortalece, ao proporcionar às relações estáveis afetivas mantidas por homossexuais – que são autênticas famílias, do ponto de vista ontológico – a tutela legal de que são merecedoras.

O extenso acórdão da referida ADPF constitui verdadeira aula de democracia e direitos humanos. Dele, destaco os seguintes excertos:

Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito à autoestima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.

Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural.

Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

 

2.3 Adoção

Representando outro grande passo contra o preconceito e a discriminação, desta feita realizado pelo Superior Tribunal de Justiça, foi o julgamento do REsp nº 1.281.093[5], assentando a possibilidade de que casais homoafetivos possam adotar. Neste recurso especial, contudo, a ideia encampada pelo Ministério Público de São Paulo foi a de ser “juridicamente impossível a adoção de criança ou  adolescente por duas pessoas do mesmo sexo”, afirmando-se, ainda, que “o instituto da adoção guarda perfeita simetria com a filiação natural, pressupondo que o adotando, tanto quanto o filho biológico, seja fruto da união de um homem e uma mulher”[6].

O parecer do Ministério Público Federal, de lavra do Subprocurador-Geral da República, Henrique Fagundes Filho, foi pelo não conhecimento do recurso especial interposto pelo parquet estadual.

Pela sua relevância, destaca-se o seguinte excerto do Acórdão:

A plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas às uniões estáveis heteroafetivas, afirmada pelo STF (ADI 4277/DF, Rel. Min. Ayres Britto), trouxe como corolário a extensão automática àquelas das prerrogativas já outorgadas aos companheiros dentro de uma união estável tradicional, o que torna o pedido de adoção por casal homoafetivo legalmente viável. Se determinada situação é possível ao extrato heterossexual da população brasileira, também o é à fração homossexual, assexual ou transexual, e todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza que são abraçados, em igualdade de condições, pelos mesmos direitos e se submetem, de igual forma, às restrições ou exigências da mesma lei, que deve, em homenagem ao princípio da igualdade, resguardar-se de quaisquer conteúdos discriminatórios.

Ainda nesta temática da adoção por casais homoafetivos, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo essa linha protetiva, rejeitou tese do Ministério Público do Paraná de que “o interessado homoafetivo somente pode se inscrever para adoção de menor que tenha no mínimo 12 (doze) anos de idade, para que possa se manifestar a respeito da pretensa adoção”.

Neste caso, o parecer do Ministério Público Federal foi pelo não provimento do recurso, assim resumido:

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE CRIANÇA POR HOMOSSEXUAL. ALEGAÇÃO DE QUE ESSE TIPO DE ADOÇÃO FIQUE CONDICIONADA À MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DO ADOTANDO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. PARECER PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO

A referida controvérsia também foi levada ao Supremo Tribunal Federal, pela via do Recurso Extraordinário[7], tendo a relatora, Min. Carmen Lúcia, na mesma linha garantista do STJ, negado o seguimento ao recurso.

 

2.4 O conteúdo discriminatório e pejorativo do art. 235 do CPM

A Procuradoria-Geral da República ajuizou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 291, de relatoria do Min. Roberto Barroso, em face do art. 235 do Código Penal Militar por tipificar a conduta de nomen iuris “pederastia ou outro ato de libidinagem”.

O Código Penal Militar fora criado no contexto totalizante e discriminatório da ditadura militar.  Dentre os diversos fundamentos invocados pelo Ministério Público Federal, pode-se destacar que o preceito do Código Penal Militar inseria-se num contexto internacional de leis antissodomia, utilizando-se de uma nomenclatura pejorativa (“pederastia”) e de uma expressão discriminatória (“homossexual ou não”), a partir das quais seria possível identificar claramente quem a norma pretende atingir, ou seja, os homossexuais militares.

A ADPF foi julgada parcialmente procedente. Destaco do acórdão o seguinte trecho:

não foram recepcionadas pela Constituição de 1988 as expressões “pederastia ou outro” e “homossexual ou não”, contidas, respectivamente, no nomen iuris e no caput do art. 235 do Código Penal Militar, mantido o restante do dispositivo. Não se pode permitir que a lei faça uso de expressões pejorativas e discriminatórias, ante o reconhecimento do direito à liberdade de orientação sexual como liberdade existencial do indivíduo. Manifestação inadmissível de intolerância que atinge grupos tradicionalmente marginalizados.

 

2.5 Direito ao nome e à identidade de gênero

Questões importantes sobre o direito ao nome e à identidade de gênero foram enfrentadas tanto pelo Superior Tribunal de Justiça quanto pelo Supremo Tribunal Federal. Também aqui se podem observar teses ministeriais contrárias à proteção aos transexuais.

No ano de 2009, em decisão ainda tímida, mas progressista, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp nº 737.993[8], decidiu pela possibilidade de que transexual submetido a cirurgia de transgenitalização pudesse alterar seu prenome, substituindo-o por apelido público e notório. O relator da ação, Min. João Otávio de Noronha, assentou que não entender por esta possibilidade seria “postergar o exercício do direito à identidade pessoal e subtrair do indivíduo a prerrogativa de adequar o registro do sexo à sua nova condição física, impedindo, assim, a sua integração na sociedade”.

A controvérsia decidida posteriormente pelo Superior Tribunal de Justiça se deu da seguinte forma: O juiz singular autorizou as modificações pleiteadas, asseverando que “não é crível que a questão envolvendo o transexualismo seja solucionada apenas na área medicinal e que o Direito cerre os olhos ao tema, numa atitude cômoda e ortodoxa, totalmente alheios à realidade das coisas”. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, reformando a sentença, deu provimento à apelação do Ministério Público estadual (MG), entendendo que inexistiria previsão legal para a obtenção da alteração onomástica requerida; asseverou também que “o sexo integra os direitos da personalidade e não existe previsão de sua alteração”.

Importante destacar a aprovação, pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), da Nota Técnica nº 8[9] de 15/03/2016, sobre a atuação do Ministério Público na proteção do direito fundamental à não discriminação e não submissão a tratamentos desumanos e degradantes de pessoas travestis e transexuais, especialmente quanto ao direito ao uso do nome social no âmbito da Administração Direta e Indireta da União, dos Estados e dos Municípios.

Em conclusão, afirma a referida Nota Técnica caber ao Ministério Público atuar para assegurar o direito fundamental de reconhecimento e à adoção de nome social (ou apelido público notório) em benefício da população LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais), mediante solicitação do interessado.

Noutro momento, já no ano de 2017, o Tribunal da Cidadania (STJ), volta à apreciação da temática, enfrentando àquela altura a necessidade ou não de cirurgia de transgenitalização para que se processem alterações no registro civil. No julgamento do REsp nº 1.626.739[10], de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, decidiu-se que o direito dos transexuais à retificação do prenome e do sexo/gênero no registro civil não é condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização.

Neste caso, ressalte-se o brilhante posicionamento do Ministério Público do Rio Grande do Sul, que figurava como recorrente no REsp. É que o julgamento nas instâncias ordinárias havia decidido pela alteração do prenome mas manutenção do sexo biológico. Assim, o parquet gaúcho levou o caso ao Superior Tribunal de Justiça, sustentando que a requerente continuaria a padecer dos constrangimentos porquanto designada em seus documentos como do sexo masculino.

Por fim, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4275, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República[11], assim decidiu:

O Tribunal, por maioria, vencidos, em parte, os Ministros Marco Aurélio e, em menor extensão, os Ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, julgou procedente a ação para dar interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica ao art. 58 da Lei 6.015/73, de modo a reconhecer aos transgêneros que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à substituição de prenome e sexo diretamente no registro civil. Impedido o Ministro Dias Toffoli. Redator para o acórdão o Ministro Edson Fachin.

É importante destacar que esta ADI, também de autoria da Procuradora-Geral Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, foi ajuizada ainda no ano de 2009, antes mesmo das decisões do STJ acima mencionadas.

 

2.6 Criminalização da homofobia, transfobia, etc.

Um dos compromissos fundamentais do Estado, em qualquer democracia, é proteger e defender as minorias. A própria democracia trabalha com base no princípio de que o poder supremo pertence ao povo e que o poder é exercido em nome dos “povos” por autoridades eleitas.

O princípio mais comumente entendido da democracia é que quando uma questão, legislação ou eleição é realizada, o lado com o maior número de votos ganha: “regra da maioria”.

Dito isto, para que uma democracia seja bem-sucedida, é importante compreender bem essa “regra”. Para que princípio majoritário não ultrapasse a linha tênue da tirania e da ditadura, é imperativo que as minorias sejam protegidas. Esse papel é do Estado.

Cada setor da sociedade deve ter direitos iguais para que a democracia seja eficaz, um grupo minoritário deve ter oportunidades e direitos iguais para ter uma oportunidade igual.

Para garantir que todos os setores da sociedade gozem de direitos e oportunidades iguais, a linguagem desempenha um papel fundamental; as palavras que dizemos e, talvez mais ainda, as palavras que não dizemos, podem ter um enorme impacto sobre como a sociedade evolui.

É por essa razão que certas leis existem e devem existir. Voltemos 30 anos e foi legalmente proibido usar linguagem racista ao falar sobre certos grupos étnicos minoritários. A Lei Federal nº 7.716/1989 foi aprovada para criminalizar a linguagem racista e a sociedade avançou para melhor.

Leis criminalizando uma ação impedem que aqueles que são racistas/sexistas/homofóbicos sejam livres para agir e falar com preconceito (hate speech) e quanto menos preconceito vemos todos os dias, mais nossos próprios comportamentos mudam de acordo. É como a sociedade evolui. Não há diferença entre racismo e homofobia. Assim como um indivíduo não escolhe a cor de sua pele, não escolhe sua sexualidade.

É com espanto que se observa o Congresso Nacional brasileiro omitir-se em sua responsabilidade, passando a responsabilidade de criminalizar a linguagem homofóbica à Suprema Corte.

A Procuradora-Geral da República, Raquel Elias Ferreira Dodge, ofereceu denúncia em face de Deputado Federal como incurso nas penas do crime previsto no art. 20, caput, da lei 7.716/1989 por discurso preconceituoso, inclusive contra homossexuais. A denúncia deu origem ao Inquérito nº 4.694, de relatoria do Min. Marco Aurélio, sendo rejeitada em julgamento recente (11/09/2018) nos seguintes termos:

A Turma, por maioria, rejeitou a denúncia, nos termos do voto do Relator, vencidos o Ministro Luís Roberto Barroso, que a recebia, parcialmente, em relação às ofensas aos quilombolas e aos homossexuais; e a Ministra Rosa Weber que, retificando seu voto, recebia a denúncia somente em relação aos quilombolas.

Encontra-se pendente de julgamento a ADO nº 26, ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS) para que se declare a mora do Congresso Nacional em criminalizar a homofobia e, até que cumprido este dever, seja utilizada a Lei Federal nº 7.716/1989 para repressão e punição das condutas.

A manifestação do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, de cuja ementa destaco:

Deve conferir-se interpretação conforme a Constituição ao conceito de raça previsto na Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, a fim de que se reconheçam como crimes tipificados nessa lei comportamentos discriminatórios e preconceituosos contra a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros). Não se trata de analogia in malam partem.

O mandado de criminalização contido no art. 5º, XLII, da Constituição da República, abrange a criminalização de condutas homofóbicas e transfóbicas.

A ausência de tutela judicial concernente à criminalização da homofobia e da transfobia mantém o estado atual de proteção insuficiente ao bem jurídico tutelado e de desrespeito ao sistema constitucional.

 

3 Conclusões

A defesa da minoria LGBTI, sobretudo na atualidade brasileira de recrudescimento de discursos segregadores, precisa ser desempenhada pelo Ministério Público enquanto instituição constitucionalmente incumbida da promoção dos direitos fundamentais.

A análise de decisões dos Tribunais Superiores leva-nos a concluir que nem sempre este “lado” é assumido pelo Ministério Público, uma vez que muitas das teses contra a minoria LGBTI tem sido agitadas pela instituição como, por exemplo, no caso judicial da adoção por casais homoafetivos, levado ao Superior Tribunal de Justiça pelo Ministério Público, que se manifestava contrariamente à possibilidade.

De igual forma, consta-se que os posicionamentos do Ministério Público perante as referidas cortes de sobreposição, representado pela Procuradoria-Geral da República, tem sido progressistas e em conformidade com os anseios igualitários.

Dentre as minorias discriminadas existentes (negros, mulheres, indígenas, pessoas com deficiência), sem dúvida, os LGBTI carecem de proteção, uma vez que os discursos discriminatórios não são combatidos pela legislação, o que os impulsiona, ainda mais, à margem de uma sociedade arcaica.

 

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. O Ministério Público e a Igualdade de Direitos para LGBTI: Conceitos e Legislação/ Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Ministério Público do Estado do Ceará. 2. ed., rev. e atual. Brasília: MPF, 2017.

NEVES, Daniel Assumpção Amorim. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Editora

Juspodivm, 2018.

SARMENTO. Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014.

[1]             BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 25.

[2]     NEVES, Daniel Assumpção Amorim. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Editora

Juspodivm, 2018. p. 81.

[3]     ADI 4.277 e ADPF 132, rel. min. Ayres Britto, j. 5-5-2011, Pub. DJe de 14/10/2011.

[4]     Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pgr/copy_of_pdfs/ADPF%20132%20parecer%20uniao%20homossexuais.pdf/view>.

[5]     REsp  1.281.093, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18-12-2012, Pub. DJe de 04/02/2013.

[6]     Trechos expressamente citados no inteiro teor do Acórdão.

[7]     RE 846.102, rel. Min. Carmen Lúcia, decisão monocrática, DJe de 15/03/2015.

[8]     REsp 737.993, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 18/12/2009.

[9]     Publicado no Diário Eletrônico do CNMP, Caderno Processual, págs.1/9, edição de 14/04/2016.

[10]   REsp 1.626.739-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 09/5/2017.

[11]   Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pgr/copy_of_pdfs/ADI%204275.pdf/view>.