Da importância do sistema de proteção à testemunha, vítima e réu colaborador ameaçados de morte (Provita)

Fabiano Morais de Holanda Beltrão

Promotor de Justiça do Estado de Pernambuco

Luís Otávio de Lima

Bacharelando em Direito pela FACAL e servidor à disposição do Ministério Público de Pernambuco

 

RESUMO

O presente artigo é o resultado de uma análise do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Provita), com ênfase no Estado de Pernambuco, ressaltando a importância da utilização dos depoimentos dos protegidos para a elucidação dos fatos criminosos. O Programa se transformou em uma referência quando o assunto é a proteção às vítimas e testemunhas atendidas. O tema é de relevante importância, uma vez que, habitualmente, a mídia divulga situações em que a solução de determinado fato delituoso deu-se em razão das provas testemunhais, demonstrando assim a importância que os depoimentos exercem nos autos. Aborda-se o Provita como um todo, os aspectos históricos, os conceitos, as suas características e a sua natureza. A importância de se contemplar os colaboradores premiados com a proteção do programa estatal, dando-os sustentação e segurança necessária para esclarecer todos os detalhes do iter criminis. Neste cenário, cumpre analisar a importância do Ministério Público como garantidor à vítima, à testemunha e ao colaborador premiado dos meios necessários de proteção a sua vida, utilizando-se do Provita para estimular a colheita de provas que serão utilizadas na persecução penal.

PALAVRAS-CHAVE

Auxílio; Proteção; Provita; Testemunha; Vítima; Papel do Ministério Público.

 

1 Introdução

Com a evolução da sociedade, as maneiras pelas quais os delitos são praticados também evoluem e se chegar as suas autorias se torna uma atividade cada vez mais complexa, sendo imperiosa uma busca por mecanismos que tragam uma forma de estímulo ao esclarecimento e à punição de crimes. Neste sentido, o depoimento de pessoas envolvidas nos delitos, seja como testemunhas, vítimas, ou mesmo réus que decidem colaborar com os esclarecimentos dos fatos, são imprescindíveis para fornecer às autoridades responsáveis pela persecução penal um maior conhecimento do fato apresentado como criminoso.

Qualquer pessoa se sentirá muito mais estimulada a reportar atos delituosos se souber que tem o apoio do Estado, na garantia da sua segurança, assegurando-se assim sua proteção pessoal e de sua família para declinar o máximo de informações que tiver para os órgãos investigadores (Polícia Judiciária e Ministério Público), bem como confirmar as informações na fase judicial, levando ao esclarecimento dos crimes e, por consequência, resultando numa punição justa e na repressão mais eficaz das ações criminosas.

Dentro dessa importância na proteção à pessoa que auxilia o Estado na persecução penal, o presente artigo trata da proteção à vítima, à testemunha e ao réu colaborador sob seus mais diversificados aspectos, como uma efetiva e segura alternativa no amparo às vítimas e às testemunhas que sofrem por terem presenciados crimes das mais variadas condutas.

Neste sentido, as testemunhas são os olhos e os ouvidos da Justiça. Um dos maiores auxiliadores nesse tema, o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Provita) atua como uma ação de Estado para a garantia da necessária segurança dos que se fizerem necessitados, posto que ameaçados, dada a condição especial de colaboradores com a elucidação dos fatos criminosos, até como forma de assegurar-lhes o mais básico dos direitos humanos, à vida.

Assim sendo, o objetivo deste artigo é expor e enaltecer a importância do sistema de proteção às vítimas, testemunhas e réus colaboradores ameaçados, analisando os aspectos legais, apresentando os subsídios que poderão garantir sua efetividade, sob a ótica de uma política pública de proteção à vida e de combate ao crime organizado. Também será constatado o necessário papel do Ministério Público para a aplicação, ampliação e manutenção do programa no Brasil.

 

2 Objetivo

O presente trabalho tem por objetivo fazer uma análise dos aspectos históricos, evolutivos e da efetividade dos sistemas de proteção à testemunha, vítima e réu colaborador ameaçados de morte no Brasil, com ênfase no Estado de Pernambuco, enaltecendo a importância da garantia de proteção do Estado aos que colaboram na elucidação dos crimes, em todas as suas complexidades.

 

3 Justificativa

Considerando que em nosso País existem muitos casos em que pessoas que colaboram com alguma investigação criminal são mortas ou têm parentes próximos assassinados por vingança, até por medo de represálias, as pessoas não falam o que sabem, prevalecendo a “lei do silêncio”.

Essa ausência de provas nos leva a um quadro de fortalecimento do crime, uma vez que o temor traz o silêncio como um meio de sobrevivência, em virtude da inexistência de uma segurança legítima ou de um sistema de proteção do Estado àqueles que em depoimento possam esclarecer o iter criminis.

A proteção dos direitos fundamentais das vítimas, testemunhas, colaboradores premiados e seus familiares são fatores essenciais para a construção de uma sociedade mais justa e democrática, pois à vida e à liberdade das vítimas, testemunhas e réus colaboradores são direitos primeiros do ser humano e, em assim sendo, devem ser amplamente garantidos pelo Estado, ao passo que se deve despender todos os meios que estejam ao alcance para a proteção dessas pessoas colaboradoras dos órgãos de persecução penal e da Justiça, uma vez que essa proteção é consequência do respeito ao seu direito mais fundamental, à vida.

 

4 Os programas pioneiros de proteção à testemunha, à vítima e ao réu colaborador ameaçados de morte

4.1 A proteção à testemunha nos Estados Unidos da América

O serviço federal de proteção à testemunha dos Estados Unidos da América é o primeiro programa de proteção às testemunhas implementado no mundo. Desde a sua criação, em 1971, mais de 7.500 testemunhas e mais de 9.500 familiares de testemunhas foram protegidos. Este mecanismo de proteção é reconhecido como uma forte ferramenta de repressão ao crime organizado nos Estados Unidos.

A legislação dos Estados Unidos prevê detalhadamente as formas e as etapas de proteção à testemunha, assim como as sanções em casos de litigância de má-fé durante o período ou na condição de testemunha protegida.

A primeira iniciativa, após a aprovação para a inclusão e a garantia da segurança da testemunha, é providenciar a mudança de identidade. O serviço impõe determinadas restrições à liberdade do protegido, mas garante a sua segurança durante 24 horas e em situações de alto risco, incluindo as escoltas para audiências.

Quanto às regras de disciplina do programa, o programa americano de segurança à testemunha não deixa dúvidas. Primeiro compromisso que a testemunha precisa assumir é de não cometer crimes. Não retornar à cidade onde vivia anteriormente, sem o acompanhamento de agentes do programa, é outra proibição radical e inflexível imposta ao protegido.

De um modo geral, podemos compreender o programa estadunidense como pioneiro na proteção às testemunhas no mundo e, também, como exemplo a ser seguido em diversos fatores por outros países, incluindo o Brasil. O mais relevante a ser apontado nesse sistema, no entanto, é a ampla divulgação do programa na sociedade e a considerável destinação de verbas públicas para a sua manutenção.

 

4.2 A proteção à testemunha na Itália

Não podemos falar em proteção às testemunhas sem mencionar a Itália, um país onde o programa de proteção às testemunhas está bem estabelecido e serve, principalmente, como ferramenta no combate à máfia Cosa Nostra.

Segundo o portal do Ministério da Justiça da Itália, a proteção à testemunha é de responsabilidade da Procuradoria Nacional Antimáfia (Direzione Nazionale Antimafia), subordinada ao Ministério da Justiça (Ministero della Giustizia), o qual é responsável pela repressão à máfia existente no país.

Os primeiros colaboradores da Justiça italiana no combate à Cosa Nostra (considerada o maior grupo criminoso da Itália) foram Tomaso Buscetta e Contorno Salvatore. O primeiro teve passagem pelo Brasil, onde se refugiou e depois foi reconduzido à Itália, dando início a uma série de delações que, em muito, ajudaram o Poder Judiciário na apuração de responsabilidade.

O programa especial de proteção italiano, assim como o estadunidense, possui um aspecto multidisciplinar, no sentido de não apenas fornecer a proteção à testemunha, mas, igualmente, assegurar que ela se reintegre paulatinamente à sociedade e que não se envolva com a prática de crimes.

O programa italiano consiste em um elenco de medidas tutelares de assistência e de recuperação social do protegido. A meta principal do programa é dar condições ao colaborador de reconstruir um novo “projeto de vida”, longe do crime e sintonizado com a dignidade e a decência.

 

4.3 Programa de proteção à vítima, a testemunha e ao réu colaborador no Brasil

Vivemos em um país em que há um alto índice de violência e, em virtude disso, existem muitas pessoas vítimas de crimes. Acontece que muitas dessas vítimas não denunciam essas ações por terem medo de represálias. O mesmo ocorre com pessoas que possuem informações privilegiadas a respeito de determinados atos delinquentes ou de organizações criminosas.

É perceptível que muitos delitos não são devidamente averiguados, em virtude desse medo sofrido pelas testemunhas, ou pelas próprias vítimas sobreviventes. E, em função disso, se recusam a falar sobre as circunstâncias da ocorrência. Esse temor ocorre pela falta de segurança e pelo medo nutrido pela testemunha, vítima, ou colaborador de ser a próxima vítima da criminalidade, a pagar com a própria vida o auxílio que prestará no esclarecimento dos fatos.

Portanto, o maior responsável por essa ausência de depoimentos é o receio das intimidações e atentados praticados pelos interessados na impunidade, de forma que, infelizmente, o poder público ainda é precário na responsabilidade de proteger as pessoas que se disponham em contribuírem com a Justiça.

Essas vítimas, as testemunhas e os colabores premiados possuem conhecimentos expressivos a respeito de determinadas pessoas que infringem a lei penal e a sua cooperação é fundamental para a solução de crimes e, consequentemente, a prisão daqueles que agem de forma ilegal. É fato irrefutável que a apontada “lei do silêncio” é motivo de intimidação e é fator de impunidade, em particular no chamado crime organizado.

Por isso mesmo é indispensável que haja um amparo a essas pessoas, que, muitas vezes, sofrem ameaças a sua vida e a de seus familiares, por terem fornecido dados importantes em investigação policial.

Com o passar do tempo, o legislador percebeu que a mera possibilidade de decretação da prisão preventiva, estabelecida na conveniência da instrução criminal, ou ainda a prisão temporária, não são instrumentos legais suficientes para garantir a aplicação da lei penal, sendo assim indispensável um apoio a vítimas, testemunhas e eventuais colaboradores dos órgãos investigativos, fazendo com que essas pessoas tenham coragem de denunciar ou dar seus depoimentos, tudo com o objetivo de que processos e inquéritos deixem de ser arquivados por falta de provas.

Na Constituição de Federal de 1988, foi previsto no artigo 245 que o Estado Brasileiro deveria dedicar uma atenção especial às vítimas de crimes e a seus sucessores. A partir desse mandamento constitucional se criou a necessidade de implementação de programas estatais que preservassem a integridade física e promovessem a segurança das vítimas, das testemunhas e dos eventuais colabores premiados, entendidos esses últimos como réus, envolvidos na realidade criminosa, os quais revelam o que sabem para a elucidação do fenômeno delituoso, tudo em razão de seus depoimentos, fato que os expõem a situação de risco constante, inclusive no que pertine as suas próprias vidas.

Diversos projetos de lei foram elaborados com o objetivo de proteger testemunhas e vítimas. No ano de 1994, no governo Itamar Franco, foi elaborado um projeto de lei que impunha ao Governo Federal a centralização dos programas de proteção, excluindo os Estados. Tal projeto não prosperou, devido ao alto custo financeiro e material gerado aos cofres públicos federais. Outro projeto foi apresentado de forma sucinta em 1995, este objetivava a proteção apenas de testemunhas.

Em setembro de 1997, o Ministro da Justiça, Iris Resende à época, elaborou projeto que foi encaminhado ao Congresso Nacional pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Importante salientar que esse projeto estabelecia programas especiais de proteção às vítimas e testemunhas ameaçadas e instituía o Programa Federal de Assistência às Vítimas e às Testemunhas Ameaçadas.

Entretanto, tal projeto restringia seu âmbito de aplicação aos seguintes crimes: 1. Homicídio doloso, latrocínio, sequestro, tortura, estupro, extorsão, roubo, terrorismo, extorsão mediante sequestro, especialmente quando houver suspeita de participação de grupos de extermínio, agentes públicos, inclusive policiais; 2. Quadrilha ou bando; 3. Tráfico de entorpecentes ou de armas; e 4. Sonegação fiscal ou corrupção passiva e ativa. Tal projeto também previa a possibilidade de concessão de medidas cautelares direta ou indiretamente relacionadas com a eficácia da proteção, tais como: segredo de Justiça, produção antecipada de provas, oitiva do protegido sem a presença do acusado ou indiciado, preservação em autos apartados e sigilo dos dados relativos à qualificação do protegido, restrição à publicidade de audiência, sessão ou auto processual envolvendo a testemunha ou a vítima protegida, prisão temporária do agente.

Outra característica do projeto supramencionado era sua comissão voluntária com relação às medidas relacionadas ao réu colaborador. Isto porque, no processo penal, réus, testemunhas e vítimas ocupam posições diferentes: o primeiro pratica a ação criminosa, violando um preceito legal; a vítima sofre a ação criminosa; e a testemunha presencia os fatos. Assim, não se pretendia tratar, em um mesmo diploma legal, de situações tão distintas ou se estabelecer o mesmo enfoque jurídico a essas três figuras. Prevaleceu a intenção do legislador de garantir a produção da prova testemunhal, a mais importante das provas admitidas no direito processual brasileiro, e também permitir que as vítimas possam denunciar e fornecer as informações possíveis à apuração das ações criminosas que sofreram, combatendo a criminalidade e a impunidade. A proposição foi apreciada e aprovada pela Câmara dos Deputados. No Senado Federal foi aprovada por unanimidade.

Exigida há muito tempo pela sociedade brasileira, em 13 de julho de 1999 foi promulgada a Lei nº 9.807/99, que estabelece normas para a organização e manutenção de programas especiais de proteção às vítimas e testemunhas ameaçadas, considerada marco oficial da institucionalização do processo.

 

4.4 Quem pode ser protegido pelo Provita

Aquele que se encontra coagido, sendo a coação o emprego de força física ou de grave ameaça contra alguém, no sentido de que faça alguma coisa ou não. A coação pode ser física (via absoluta) ou moral (via compulsiva). Portanto, no sentido do texto legal, a expressão abrange a coação física e também moral.

A existência de um programa federal de assistência às vítimas e às testemunhas e os Provitas estaduais impulsionaram a necessidade de criação do Sistema Nacional de Assistência às Vítimas e Testemunhas, vinculado à Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, visando estabelecer a ligação entre as equipes responsáveis por essas estruturas. Pode-se, a partir daí, estabelecer novas regras de cooperação entre os integrantes do sistema, assegurando a troca de experiências e permitindo inclusive a proteção de beneficiários de um Estado em outro, restringindo substancialmente os riscos para a pessoa protegida.

O Provita, quando da sua criação, além de ser um programa de proteção, buscava garantir possibilidades de reinserção social de vítimas e testemunhas em novas comunidades, de forma sigilosa e contando com a participação de diversas entidades da sociedade civil (instituições religiosas, organizações não governamentais, associações comunitárias) na formação de uma rede solidária de proteção. Em virtude desse cuidado dado às vítimas e testemunhas foi que o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), organização não governamental, pensando numa proteção a essas pessoas que se sentem intimidadas e com o intuito de suprir essa falta segurança, constituíram o Programa de Apoio e Proteção a Testemunhas, Vítimas e Familiares de Vítimas da Violência (Provita). Esse programa foi criado em conjunto com o Governo do Estado de Pernambuco e hoje não está mais sob a gestão do GAJOP, encontrando-se sob a responsabilidade de um conselho, Condel Provita/TJPE, integrado por representantes do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Ministério Público de Pernambuco, Justiça Federal, Defensoria Pública do Estado, Defensoria Pública da União, Polícia Federal, Secretaria de Defesa Social, Conselho de Psicologia, Conselho de Serviço Social e Governo do Estado de Pernambuco.

A iniciativa pernambucana foi inédita no Brasil, criada em 1998, com o intuito de colaborar com a reinserção social de pessoas em estado de risco em lugares comunitários, de forma confidencial e contando com a participação da sociedade civil na construção de uma rede solidária de proteção.

Depois de Pernambuco, outros estados passaram a apoiar a iniciativa. Em 1999, o Ministério da Justiça resolveu promover nos Estados a criação de núcleos de assistência e apoio às vítimas de crimes. Em decorrência disso, diversos estados da nossa federação passaram a aderi-lo. O Ceará passou a integrar esse programa em 2002.

O Provita, como a própria denominação indica, ampara e protege testemunhas, vítimas e seus familiares de ocorrências de homicídio, tentados ou consumados, decorrentes da agressão institucional, da ação de grupos de extermínio ou do crime organizado.

O Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, criou, em 1996, o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). Esse programa iniciou suas atividades voltadas para os direitos civis, assim sendo, os que ferem a integridade física e a cidadania de cada um. Atualmente, depois de modernizado o Programa Nacional de Direitos Humanos, passou-se a ter o compromisso de que houvesse a implantação e o funcionamento de centros de apoios às vítimas de crime nas áreas com maiores índices de violência, disponibilizando assistência psicológica, social e jurídica para as vítimas de violência e para seus familiares.

Como apoio ao Programa Nacional de Direitos Humanos, foi elaborada a Lei nº 9.807, em julho de 1999, que instituiu um Sistema de Proteção a Vítimas e Testemunhas. Esse sistema foi decretado em 20 de junho de 2000. O programa tem uma estrutura esboçada para tal fim, em que compõe um conselho deliberativo, um órgão executor, uma equipe técnica e uma rede solidária de proteção.

O legislador procurou dar assistência às pessoas que prestam informações dos fatos investigados, de modo que façam de forma segura, sem estarem tão suscetíveis a possíveis intimidações que venham a sofrer. A previsão legal tem como objetivo que as pessoas chamadas a se apresentarem ao processo, ou mesmo aquelas que o façam livremente, possam divulgar a informação, sobretudo no que diz respeito à autoria e à materialidade do delito investigado.

A Lei nº 9.807 tem como meta resguardar a integridade, promovendo a segurança das vítimas, testemunhas, réus colaboradores e a satisfação do “princípio da verdade real”, orientador do processo penal. É um programa integrado com o Governo Federal, pelo qual o governo se responsabiliza pelos recursos, sendo gerenciado por institutos da sociedade civil em cada Estado em que atua.

Conforme essa lei, os favorecidos pelo programa de proteção às testemunhas têm direito à mudança de residência, subsídio financeiro de um salário mínimo mensal por pessoa, manutenção de alimentação e vestuário, segurança nos deslocamentos, colocação no mercado de trabalho, amparo psicológico, social e médico, preservação de sigilo de identidade e de dados pessoais e, em casos excepcionais, mudança de identidade.

É importante enfatizar que nenhuma das pessoas que participaram deste programa foi assassinada, havendo apenas dois casos de mortes de protegidos, as quais não se relacionam a eventuais homicídios dessas pessoas, fato que, por si, demonstra a eficiência da iniciativa na proteção à vida das vítimas, testemunhas e réus colaboradores que se encontram sob o manto protetivo do Provita.

A Lei nº 9.807/99 estabelece regras a serem tratadas pelo poder executivo para organizar o programa de proteção, destinando verbas que sustentem a iniciativa protetiva do Estado, a fim de reduzir o índice de crimes em nosso País.

A inclusão e a isenção dos programas de proteção aqui no Brasil devem ser antecedidas de consulta do representante do Ministério Público, consistindo em programas administrados por um conselho deliberativo, integrado por membros do parquet, Poder Judiciário e por representantes de outros órgãos vinculados à segurança pública e à defesa dos direitos humanos.

 

4.5 O Provita na ótica do Ministério dos Direitos Humanos

O Programa Federal de Assistência e Proteção a Vítimas e Testemunhas foi instituído no Brasil por meio da Lei nº 9.807/99, diploma regulamentador da forma de acesso à proteção do Estado pelas pessoas ameaçadas e da competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal na implementação de programas de proteção.

Importante frisar que, conforme os ditames legais, o Provita é um programa específico para “testemunhas”. Ou seja, seu público-alvo refere-se especificamente às pessoas encaminhadas para a proteção por meio das “portas de entrada” previstas por lei.

Ainda, segundo o Ministério dos Direitos Humanos, promotores e procuradores de Justiça, delegados e juízes identificam e qualificam pessoas na condição de testemunhas e formalmente as encaminham para que seja feita uma triagem da situação de risco e principalmente, da condição psicossocial. Todos os elementos colhidos nas triagens são considerados na elaboração de um parecer que será indicativo de proteção ou não ao interessado, para que, logo após, seja apreciado por um conselho deliberativo composto de representantes de órgãos públicos relacionados à proteção.

Nessa toada, cabe pontuar que a anuência da pessoa encaminhada à triagem é condição sine qua non para seu ingresso, tendo em vista que não será possível a proteção de quem frontalmente se colocar de forma contrária à medida. Grosso modo, as razões pelas quais as pessoas declinam seu ingresso no Provita estão relacionadas principalmente com a diminuição do risco ou incompatibilidade com as normas dos programas, as quais são rígidas, até em função de sua natureza e seus objetivos.

Em situação de acolhimento imediato, para aquelas situações em que a pessoa ameaçada não poderá retornar para sua casa, são acionadas as instituições de segurança pública, responsáveis constitucionais para a proteção da sociedade como um todo, visto que o Provita tem seu foco na testemunha, após o caso ter sido aprovado pelo Conselho Deliberativo. O Provita não tem o condão de substituir as forças policiais em nenhuma situação de ameaça.

Por se tratar de um programa que não faz busca ativa para levantar a demanda sobre quem precisa de proteção, o Provita atua de forma pontual, com casos endereçados a si e corroborados por pareceres ministeriais, nos quais se “atesta” um importante depoimento a ser oferecido pela pessoa ameaçada. Assim, demais casos de ameaças e violência deverão ser tratados junto às outras políticas públicas, visto que o Provita não é o único a tratar da mitigação de ameaças.

O ingresso é voluntário e a permanência também. A pessoa protegida não está obrigada a permanecer após ser acolhida na rede Provita. Mesmo que vinculadas aos processos criminais, as pessoas protegidas são informadas da anuência para se manterem no programa. Caso peçam seu desligamento da política de proteção, serão apoiadas, inclusive com recursos humanos, para pensarem na sua saída e para deslocamento ao local desejado.

 

4.6 Provita no Estado de Pernambuco

Segundo o dr. Bartolomeu Bueno de Freitas Morais, conselheiro estadual do Provita/TJPE, desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco e presidente da Associação Nacional de Desembargadores:

Há exatos 10 anos, o nosso Estado vivia um momento ímpar, com crescimento econômico acima da média nacional, melhoria expressiva dos índices de desenvolvimento social, otimismo e realizações que se refletiam em todas as esferas, públicas e privadas. Foi nesse contexto de desenvolvimento que foi consolidada a legislação estadual do programa de proteção à testemunha PROVITA. Criado no ano de 1996 pelo GAJOP (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares), e posteriormente exportado para o Brasil e para a América Latina, o programa tinha como escopo, além da questão propriamente humanitária, garantir a efetividade da Justiça e do Processo Judicial, possibilitando que a TESTEMUNHA JUDICIAL e o RÉU COLABORADOR pudessem depor livremente de forma segura, sem sofrer intimidação, perseguição ou atentados contra sua vida. Por efeito, a sensação de que os crimes ligados ao tráfico de drogas, à pistolagem e à corrupção ficariam impunes diminuiu significativamente. O medo de depor não mais prevaleceu sobre a busca por Justiça, permitindo que relevantes operações estaduais e federais de combate à criminalidade fossem realizadas com êxito. Com o advento da Lei 13.371/07, foi implementada em Pernambuco a Política Estadual de Assistência e Proteção a Vítimas e Colaboradores da Justiça, tendo como princípios norteadores a prevalência da ordem jurídica (a), a aplicação da justiça (b) e a proteção aos direitos humanos (c). Destarte, foi formalizado e institucionalizado o Sistema Estadual de Assistência 13 e Proteção a Vítimas e Colaboradores da Justiça, que consiste na ação coordenada dos diversos programas de proteção executados no território do Estado, por intermédio dos vários órgãos e instituições públicas, no âmbito das respectivas competências. Para que tudo funcione a contento, é imprescindível a CELERIDADE DOS PROCESSOS JUDICIAIS e o sigilo dos procedimentos administrativos e técnicos que tenham pessoas incluídas em programas de proteção. O art. 11 da Lei Federal 9.807/99 estabelece que a proteção oferecida pelo programa tem a duração máxima de 02 (dois) anos. Logo, esse seria o tempo médio que o Judiciário teria para, sem colocar em risco a testemunha e o réu colaborador, colher o depoimento e, havendo provas suficientes, apartar da sociedade seus algozes, quer se trate de traficantes, grupos de extermínio ou autoridades públicas envolvidas em corrupção. Em caráter excepcional, perdurando os motivos que autorizaram a admissão, a permanência da testemunha poderá ser prorrogada, mas isso implicará em um recurso financeiro que o programa não dispõe. Assim sendo, podemos concluir que a existência do programa está associada a atuação efetiva dos Magistrados e a forma como lidam com o processo e com o encaminhamento das testemunhas, evitando a permanência extemporânea e a quebra do sigilo (Cartilha do TJPE, 2017).

Já nas palavras de dr. Luís Sávio Loureiro da Silveira, promotor de Justiça, coordenador do CAOP Criminal e conselheiro estadual do Provita/MPPE:

De 2001 a 2017, o programa já contemplou cerca de 353 vítimas/testemunhas ameaçadas de morte, de diversas regiões do Estado (e até de outras unidades da federação), enfrentando sérias situações de fato que permaneceriam – muito provavelmente – sem o adequado combate, em face dos comprovados riscos que comprometeriam a eficaz prestação jurisdicional, acaso não existisse um complexo suporte logístico de proteção (Cartilha do TJPE, 2017).

Em Pernambuco, para que seja pleiteado o ingresso, alguns pré-requisitos devem ser atendidos:

  1. Tratar-se de vítimas/testemunhas colaboradoras da Justiça, e de seus familiares, que sofram ações violentas ou grave ameaça – art. 1º da Lei 13.371/2007;
  2. Existência de investigação, inquérito ou ação penal, para apurar a autoria delitiva de um ou mais fatos criminosos;
  3. Estar coagido ou exposto a grave ameaça ou coação à integridade física ou psicológica para impedir ou dificultar o seu testemunho, ou ainda com o objetivo de falsear a verdade acerca de fato criminoso de que tenha conhecimento, em razão de sua colaboração com a investigação ou processo judicial;
  4. Colaborar para a elucidação de crime em procedimento investigativo ou em processo judicial;
  5. Insuficiência dos meios para resguardar sua integridade física e psicológica e de prevenir ou reprimir os riscos pelos mecanismos convencionais de segurança pública;
  6. Encontrar-se em gozo de sua liberdade;
  7. Ser capaz de exprimir sua vontade de ingressar no programa, de forma livre e autônoma nos termos do Código Civil, ou por seu representante legal;
  8. Anuir e aderir expressamente às normas de segurança do Programa de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas;
  9. A emissão de parecer favorável por parte do Ministério Público, explicitando a gravidade da coação ou da ameaça à integridade física ou psicológica, em decorrência de seu testemunho, a dificuldade de preveni-las ou reprimi-las pelos meios convencionais e a importância do usuário para a produção da prova; e
  10. Estar o pedido devidamente instrumentalizado com documentos ou informações comprobatórias da identidade e da situação penal do interessado, cópia das declarações prestadas pelo interessado sobre os fatos, em procedimento investigatório ou processual instaurado pelo Ministério Público ou cópia da portaria inaugural de inquérito policial, auto de prisão em flagrante e/ou cópia da denúncia.

Deve-se observar a importância do testemunho/depoimento para produção da prova e a ausência de restrição legal à liberdade ambulatória do solicitante (o que exclui pessoas contra as quais pesem quaisquer espécies de prisões processuais). Estão excluídos da proteção os indivíduos cuja personalidade ou conduta seja incompatível com as restrições de comportamento exigidas pelo programa, os condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades – art. 2º da Lei Federal 9.807/1999.

A proteção poderá ser dirigida ou estendida ao cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convivência habitual com a vítima ou testemunha, conforme o especificamente necessário em cada caso – art. 2º da Lei Federal 9.807/1999.

Para os fins previstos na Lei 13.371/2007, entende-se por vítima a pessoa física que suporta diretamente os efeitos de ação violenta consumada ou tentada, vindo a sofrer danos físicos, psicológicos ou morais, bem como o familiar, dependente e convivente que tenha sofrido dano decorrente da ação contra a vítima direta – art. 4º da Lei 13.371/2007.

Entende-se por colaborador da Justiça a pessoa física que contribua efetivamente para a investigação policial ou processo criminal, bem como para a defesa dos direitos humanos, que esteja coagida ou exposta a grave ameaça em função dessa contribuição, inserida em programa integrante do Sistema Estadual.

A testemunha, a vítima ou o réu colaborador poderá ingressar no programa mediante solicitação encaminhada à equipe técnica, que, munida dos documentos necessários, elaborará parecer opinativo para então submeter o caso ao Conselho Deliberativo (Condel Provita/PE).

O art. 8º da Lei 13.371/2007 dispõe que a solicitação, objetivando o ingresso no Programa, poderá ser encaminhada ao órgão executor:

I – Pelo interessado;

II – Por representantes do Ministério Público;

III – Pelo juiz competente para a instrução do processo criminal;

IV – Pela autoridade policial que conduz a investigação criminal;

V – Por órgãos públicos e entidades não governamentais relacionados com a defesa dos direitos humanos;

VI – Pela Comissão de Defesa da Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Pernambuco; e

VII – Por um dos membros do Conselho Deliberativo. A solicitação será instruída com a qualificação da pessoa a ser protegida e com informações sobre a sua vida pregressa, o fato delituoso e a coação ou ameaça que a motiva.

 

4.7 Outros encaminhamentos

Caso não seja deliberado o ingresso no Provita, aos solicitantes são oferecidas outras soluções, ou formas de proteção, sendo elas o encaminhamento à Rede Estadual de Apoio à Proteção de Pessoas (Reap), serviço da Secretaria Executiva de Direitos Humanos do Estado de Pernambuco, estruturado para atendimentos dos casos considerados “não perfis” para os programas de proteção, a exemplo do Provita.

Ainda, havendo urgência na necessidade de acolhimento institucional, os usuários podem ser encaminhados para o Núcleo de Acolhimento Provisório (NAP), o qual tem o papel de garantir a proteção provisória pelo período de 15 dias, podendo ser prorrogado por mais cinco dias, até que se decida acerca da inclusão do pretenso protegido no Provita.

 

5 A atuação do Ministério Público de acordo com a Lei nº 9.807/99

A Lei nº 9.807/99 traz quatro formas de atuação do Ministério Público. A primeira atuação é a da instituição: sendo uma atividade político-institucional, atua como membro do Conselho Deliberativo do programa de proteção às testemunhas, conforme disposto no artigo 4º, caput, segundo o qual o órgão terá, obrigatoriamente, em sua composição, as representações do Ministério Público, do Poder Judiciário e de órgãos públicos/privados com atuação na área de segurança pública e defesa dos direitos humanos.

Ao Ministério Público cabe ainda a função de órgão executor do programa, pois esta atividade pode ser exercida por qualquer dos órgãos representados no conselho deliberativo, desde que os seus agentes sejam formados e capacitados para tanto (artigo 4º, § 1).

Processualmente, o Ministério Público atua alternadamente, como parte e como fiscal da lei. A atuação como parte se refere à atuação em matéria processual-penal. Mazzilli o vê como parte formal, porém “parte imparcial”, compreendida sua imparcialidade no sentido moral, não excluindo o seu papel de fiscal da lei.

Atua como fiscal da lei, sendo que a função de custos legis está relacionada à atuação do promotor na área civil, especificamente na alteração do nome completo da pessoa protegida, outra importante inovação introduzida pela Lei nº 9.807/99, em seu artigo 9º.

 

6 Aplicação do Provita aos casos de contribuição premiada

A Lei nº 9.807/99 contribuiu para o avanço da delação/contribuição premiada, mas deixou lacunas a serem preenchidas, às quais surgiram opiniões divergentes e não houve consenso jurídico para a resolução dos problemas advindos com a assinatura da delação/colaboração.

Não há dúvida de que a prova testemunhal é de vital importância para o processo penal, e provar significa alcançar a verdade que se busca, vislumbrando certeza e convencimento do magistrado.

Assim sendo, faz-se necessária a colaboração através da vítima, da testemunha ou do delator, em face da difícil elucidação dos fatos criminosos, por falta de provas, em especial da prova testemunhal, por consequente medo das pessoas que presenciaram ou participaram dos fatos em testemunhar ou colaborar.

Tendo em vista a caracterização da delação premiada, a inclusão do colaborador no programa depende do preenchimento de requisitos específicos para o acolhimento do beneficiado, ficando esse sujeito à apreciação das circunstancias do caso pelo Conselho Deliberativo.

Contudo, a utilização do conhecimento do colaborador como alguém que participava da vida criminosa tem se mostrado imprescindível no combate à impunidade na punição criminal, sendo esse um dos maiores fatores de banalização da violência, representando a não punição dos crimes verdadeira a negação da Justiça e do direito frente ao conhecimento da verdade.

Apesar dos diversos empecilhos que impedem qualquer um de colaborar com a Justiça, em particular com a Justiça Penal, por medo, pavor, constrangimento, falta de segurança, entre outros, o programa de proteção à vítima e testemunhas tem sido um eficaz instrumento na consecução da Justiça, na busca da legalidade e agilidade dos processos, num esforço em contribuir para a punição dos criminosos, por meio de um depoimento seguro e consciente da vítima, da testemunha e do colaborador, respeitando sempre os direitos humanos.

 

6.1 Utilização da proteção ao colaborador em um caso prático

Na atuação como representantes do Ministério Público, tivemos a oportunidade de perceber, na prática, a importância de se oferecer a um colaborador a possibilidade de sua inserção no Provita. Ao informá-lo que, diante da sua concordância em revelar o que sabia acerca dos detalhes na conduta de uma organização criminosa que se voltava ao tráfico de entorpecentes, poderíamos inseri-lo no programa de proteção, garantindo tanto a ele, como a seus familiares mais próximos, meios eficazes de se assegurar a sua vida e liberdade.

O caso teve particular importância, uma vez que se trata de colaboradora mulher, a qual estava, inclusive, sentimentalmente envolvida com os demais componentes da teia delituosa. Ocorre que após ser presa por eficiente investigação policial e revelar um pouco do que sabia, até em razão do fato de ter sido flagrada com expressiva quantidade de drogas, foi ela ameaçada pelos demais integrantes da associação para o tráfico.

Premida pela ameaça à sua vida, que se estendia à vida de sua mãe e filhas menores, percebendo que o crime não mais a perdoaria por ter esclarecido, quando do seu interrogatório policial, um pouco do que sabia, sentimos que aquela pessoa não tinha saída, não porque se encontrava presa (o fato de estar encarcerada inclusive lhe resguardava a vida), mas sim pelo fato de que o tráfico já a enxergava como um arquivo que precisava ser queimado. Neste momento e procurado inclusive pela mãe da colaboradora, a qual nos relatava ser ela e suas netas menores ameaçadas de morte, pelo que havia sido revelado à polícia, expusemos a colaboradora que a sua única saída era se tornar uma delatora premiada, esclarecer aos órgãos de persecução tudo o que sabia sobre o complexo organizacional criminoso e, desta forma, salvar sua vida e de seus parentes mais próximos.

Ocorre que vários dilemas surgem neste momento, sendo o primeiro a pergunta que nos fez a colaboradora: como o senhor pode garantir que, dizendo o que sei, não serei eu, minha mãe e minhas filhas mortas pelo tráfico? A resposta só pode ser eficazmente dada a ela, convencendo-a a se tornar uma colaboradora quando expusemos que seria possível sua inserção no Provita e, por consequência, a possibilidade que se abria de alteração de toda sua nefasta realidade de negação da vida, não só dela, mais de sua mãe e das filhas menores.

Ciente das consequências de adesão ao programa de proteção, resolveu a colaboradora revelar tudo o que sabia, até por participar intestinalmente do tráfico, sendo suas informações decisivas para que os órgãos de persecução (Polícia Civil e Ministério Público) desbaratassem a organização criminosa voltada ao tráfico e denunciasse todos os seus integrantes, possuindo o depoimento da colaboradora não só uma essencial natureza de fonte reveladora do complexo criminal, como uma indispensável fonte de prova do cometimento do crime e suas autorias.

Convencê-la apenas sob o argumento de que confessando teria uma diminuição de sua pena soava ridículo. Seu destino, assim como os de sua mãe e filhas, era a morte, portanto, de nada adiantava confessar para ter diminuída a pena, se na prisão saberia que seus parentes mais próximos teriam a vida ceifada e, ao sair da cadeia, esse seria seu fim.

Simplesmente requerer ao Judiciário que substituísse sua prisão preventiva (seu flagrante foi convertido em constrição cautelar na audiência de custódia) sob os auspícios da Lei nº 13.257, de março de 2016, que alterou artigos do Código de Processo Penal, garantindo às gestantes ou mulheres com filhos de até 12 anos de idade (suas filhas eram todas menores de 11 anos de idade) e que ainda não foram condenadas pela Justiça (ela não tinha passado de anteriores condenações criminais) seria igualmente sentenciá-la a morte, vez que retornando àquele ambiente em que vivia, inserida no tráfico e refém de suas ordens, seria morta, junto a sua mãe e filhas.

Neste sentido, a inclusão da colaboradora no Provita significou para ela, mãe e filhas menores a salvaguarda de suas vidas e, muito mais do que a proteção do Estado, a garantia, durante um certo tempo, de que lhe seriam oferecidas condições mínimas de vida, liberdade e dignidade para recomeçar a vida, junto com seus familiares, em um ambiente social fora do mundo do crime. Possibilitando-a, dessa forma, trabalho lícito e digno e inclusão escolar às filhas menores, sendo o programa de proteção um verdadeiro “abrir de portas” para uma realidade que ela não conseguia acessar em sua localidade natal, desprovida de assistência mínima das garantias para uma vida digna e, talvez por esse motivo, ensejadora de sua inserção na organização criminosa.

 

6.2 A necessidade de se conhecer o Provita e de sua utilização pelos membros do Ministério Público

Surpreende-me a ausência de conhecimento e da pouca utilização desse importante instrumento de proteção às vítimas, testemunhas e colaboradores premiados por parte dos membros do Ministério Público em Pernambuco. Não por culpa dos promotores de Justiça, ou falta de casos em que se pode manejar o Provita, mas simplesmente pelo desconhecimento do programa, percebo que os colegas têm se utilizado pouco da proteção estatal àqueles que necessitam (o programa hoje ocupa metade das vagas possíveis de serem preenchidas com protegidos). Com isso se perde excelente oportunidade de oferecer a vítima, testemunha, ou colaborador premiado um importante estímulo para que fale tudo aquilo que sabe acerca do crime e seus detalhes aos órgãos de persecução penal.

O Tribunal de Justiça vem divulgando o “par e passo” da necessária burocracia para ingresso no Provita, tanto por meio da divulgação de cartilha, como pela realização de cursos, contudo a iniciativa ainda fica limitada a poucos interessados dentro do Ministério Público e da magistratura.

A ideia de divulgação do presente tema na revista da AMPPE que comemora os 70 anos de Declaração dos Direitos Humanos, inclusive, tem esse objetivo, de suscitar o debate dentro do parquet pernambucano. Não adianta discussões teóricas acaloradas e teses, sempre muito bem escritas pelos colegas, acerca da importância dos direitos humanos, se não pudermos, na rotina de nossa atividade como titular e dominus litis da ação penal, garantir à vítima, à testemunha e ao colaborador premiado, antes de mais nada, meios necessários de proteção a sua vida.

Assim sendo, parece-me inócuo sermos o curador da ordem democrática e garantidor do sistema de Justiça, acaso não tenhamos ciência e não soubermos utilizar essa essencial ferramenta de combate ao crime que se constitui o Provita, mormente o crime organizado, cujos tentáculos se estendem a tantos e tão variados crimes em nosso Estado, seja na região metropolitana, ou no interior de Pernambuco, cujos índices de criminalidade continuam crescentes e assustadores, com complexa teia de envolvidos e inserção crescente nos meios sociais.

 

7 Considerações finais

Podemos, portanto, compreender o programa especial de proteção a testemunhas como uma ferramenta de suma importância à repressão ao crime, principalmente a criminalidade organizada, demonstrando na prática uma eficácia considerável ao assegurar a proteção das testemunhas e reinseri-las na sociedade.

O programa italiano tem muito a ser seguido pelos demais mecanismos do mundo, especialmente pela integração com o Poder Judiciário e pela alta verba que lhe é destinada pelo Poder Público.

Analisando os programas pinçados neste artigo, podemos perceber que o Brasil ainda tem muito a evoluir na proteção à testemunha, sendo uma ferramenta essencial ao Judiciário e aos órgãos que integram o sistema de segurança pública, dentre eles o Ministério Público, como forma de combater e punir de forma eficaz os crimes, incluindo nestes os mais complexos e organizados, havendo comprovada eficácia da atuação do Estado na punição inclusive da criminalidade organizada de “colarinho branco”.

Alguns importantes passos já foram dados, como a criação do Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita) e do Programa Estadual de Proteção, Auxílio e Assistência a Testemunhas Ameaçadas (Protege), mas o fundamental é que o Estado invista cada vez mais nos órgãos de segurança pública e nas políticas de proteção, para que sejam devidamente aparelhadas, com profissionais qualificados e dignamente remunerados.

A exemplo do baixo investimento em tão importante programa, no Estado de Pernambuco, no ano de 2017, o orçamento destinado ao Provita é suficiente para apenas 65 protegidos, sendo que até setembro de 2018, já haviam 35 pessoas incorporadas no programa.

Assim, é necessário que a sociedade organizada cobre dos governantes medidas concretas para fortalecimento do Provita e consequente credibilidade da população no Poder Judiciário, resultando num maior número de crimes elucidados, vez que, confiando no sistema de Justiça, estimular-se-á a contribuição com informações valiosas para se chegar à autoria delitiva em crimes como tráfico e associação ao tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, crimes dolosos contra a vida, entre outros de igual complexidade de elucidação da autoria.

 

REFERÊNCIAS

U.S. Marshals Service. Witness security program. 2013. Disponível em: <http://www.usmarshals.gov/witsec/>.  Acesso em: 21 set. 2018. [traduzido com Google Tradutor].

SILVEIRA, José Braz da. A proteção à testemunha e o crime organizado no Brasil. Curitiba: Juruá, 2005. p.24.

LAMB, Moisés. A prova testemunhal e o programa de proteção à testemunha no ordenamento brasileiro sob a lei 9.807/99. 2012. 99 f. Trabalho de Conclusão de Curso – Feevale, Faculdade de Direito, Novo Hamburgo, 2012. Disponível em: <http://ged.feevale.br/bibvirtual/monografia/MonografiaMoisesLamb.pdf> Acesso em: 22 out. 2018. p.45.

MINISTERO dela Giustizia. Direzione nazionale antimafia. 2018. Disponível em: <http://www. giustizia.it/giustizia/it/mg_2_10_1.wp>. Acesso em: 21 set. 2018.

JUNIOR, Ivan P. Oliveira. A proteção à testemunha nos Estados Unidos da América e na Itália: Programas pioneiros de proteção à testemunha. 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/36995/a-protecao-a-testemunha-nos-estados-unidos-da-america-e-na-italia-programas-pioneiros-de-protecao-a-testemunha>.

MINISTÉRIO dos Direitos Humanos. Programas de Proteção. Provita. 2018. Disponível em: <http://www.mdh.gov.br/navegue-por-temas/programas-de-protecao/provita-1/provita>.

NOGUEIRA, M. Carvalho. Proteção às vítimas e testemunhas ameaçadas. 2014.  Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/33366/protecao-as-vitimas-e-testemunhas-ameacadas>.

TRIBUNAL de Justiça de Pernambuco. Cartilha Provita. 2017. Disponível em <http://www.tjpe.jus.br/documents/1252286/1546347/CARTILHA_PROVITA.pdf/b6edd7be-864d-92f3-4394-3cef05fd5c60>.

ANJOS FILHO, Rogério Nunes dos. Direito Constitucional. 2 ed. Salvador: Editora JusPODIVM, 2003.

BARROS, Antônio Milton de. A Lei de Proteção à Vítima e Testemunhas: e outros temas de direitos humanos. Franca: Ribeira Gráfica e Editora, 2003.

BRIMELOW, Sarah. Apoio à Vítima (Victim Support). GAJOP: Recife-PE, 1998.

BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Direitos Humanos, cidadania, trabalho. Belém, 2004.

ALMEIDA, Eliane Moraes de. Direitos Humanos Fundamentais e o Direito Internacional. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/16/31/1631>. Acessado em: 10 de abril de 2013.

CRETELLA JR., José. Elementos de Direito Constitucional. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 3 ed. São Paulo: Renovar, 1991.

FERREIRA DE MELO, Osvaldo. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: OAB/SC, 2000.

HERKENHOFF, João Baptista. Direitos Humanos: uma ideia, muitas vozes. Aparecida: Santuário, 1998.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

JESUS, Damásio E. de. Perdão Judicial Colaboração Premiada. Análise do Art. 13 da Lei nº 9.807/99: Primeiras Ideias, IBCCrim, a. 7, n. 82, set. 1999.