Controle Estatal dos Contratos de Consumo
Solon Ivo da Silva Filho
Membro do Ministério Público do Estado de Pernambuco – Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor de Recife. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco. Especialista em Obrigações e Contratos pela Universidade Federal de Pernambuco
RESUMO
Relativização da liberdade contratual. Exclusão da liberdade contratual. Vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. Consumidor como ente caracterizado pela suficiência reduzida. Sociedade de consumo. Contratação em massa. Despersonalização do comércio jurídico. Necessidade de restabelecimento do equilíbrio contratual. Intervenção Estatal legislativa. Dirigismo contratual para cumprimento da sua função social. Controle estatal dos contratos de consumo. Controle administrativo. Controle judicial. Atuação do Ministério Público como principal protagonista.
PALAVRAS-CHAVE: Contratos de Consumo; Rompimento do Pacta Sunt Servanda; Sociedade de Consumo; Rebus Sic Stantibus; Reequilíbrio Contratual; Dirigismo Contratual; Protagonismo do Ministério Público.
1 Introdução
A relativização, e até a exclusão, da liberdade contratual propiciou a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. Fragmentada a sua capacidade civil plena, esmagada pela nova ordem contratualista, observa-se o homem consumidor como um ser desprotegido. Destituído da possibilidade de manifestar os seus anseios, mostra-se agora como um ente caracterizado pela suficiência reduzida.
Atravancou-se a vontade humana. Repleto de objetivos e desejos, foi o consumidor compelido a suprimir a expressão da sua vontade, em decorrência do dinamismo das negociações em massa.
Eis um mundo mais célere. Negociações repetidas e a envolver maior número de pessoas. Esta nova ordem, previa-se, seria apenas benéfica para o homem. Anomalias do sistema, entretanto, foram sendo percebidas e identificadas. Precisavam ser analisadas e estudadas, para que, se não fossem eliminadas, ao menos promovessem a redução das suas consequências avassaladoras.
Afastava-se a regra do vale o que está escrito – pacta sunt servanda. Não se podia mais dar credibilidade absoluta aos escritos contratuais, porque não havia mais oportunidade aos contratantes para as tratativas preliminares ao contrato. Exigia-se mais dinamismo, o qual se contrapunha às tradicionais regras contratualistas.
Contratos paritários deram lugar a contratos coletivos. Fornecedores de produtos e serviços agora se organizavam para a satisfação de pessoas em geral. Não se visualizava mais o ente humano contratante na sua individualidade. Apresenta-se, assim, uma sociedade de consumo. “Na sociedade de consumo, com seu sistema de produção e de distribuição em grande quantidade, o comércio jurídico se despersonalizou e os métodos de contratação em massa, ou estandardizados, predominam em quase todas as relações contratuais entre empresas e consumidores.”
Toda esta ordem inovadora não podia passar ao largo do Poder Público. Era imprescindível uma nova positivação, no sentido de restabelecer a paridade e o equilíbrio nos contratos.
2 Intervenção Estatal Legislativa
Apresenta-se um Estado intervencionista. A previsão deste novo modelo não é recente. Gaston Morin, em 1937, já manifestava a “revolta dos fatos contra os códigos”, prevendo a modificação da teoria clássica do contrato.
Tem-se, a partir de então, uma premeditação da vindoura reestruturação da concepção contratualista tradicional. Já em fins do século XIX, com a Revolução Industrial, começavam a surgir doutrinas socialistas. Passou-se a admitir a intervenção estatal, a fim de tutelar as relações laborais e os problemas delas advindos, provenientes da formação de novas classes sociais.
A Igreja Católica também deu voz a esta nova tendência. O Papa Leão XIII, através da Encíclica Rerum Novarum, proclamava uma doutrina social, mediante o estabelecimento de uma ética social. Para ele, deveria o Estado promover o bem comum, amparando o homem, principalmente os menos prestigiados.
Apesar de algumas manifestações no sentido da socialização do direito privado, a teoria da imprevisão, só tomou corpo com a Primeira Grande Guerra Mundial. No Brasil, a crise econômica provocada por este conflito trouxe uma era de normatizações, todas tendentes à proteção contratual.
Reconhecia o legislador brasileiro que o absolutismo contratual tinha sido atingido pela imprevisibilidade. A possibilidade de modificação do contrato, contudo, em caso de ocorrência de circunstâncias não previsíveis no momento da formalização do pacto, não foi, de logo, garantida amplamente pela norma legal. De início, apenas legislações esparsas previam a regra rebus sic stantibus:
Decreto nº 19.573/31: disciplinava a possibilidade de rescisão ou modificação dos contratos de locação, por tempo indeterminado, dos prédios de moradia, celebrados por funcionários públicos civis, ou por militares, quando removidos para servirem em outra localidade que lhes permita manter residência na da situação do prédio locado;
Decreto nº 20.632/31: previa a rescisão de contratos de locação de prédios destinados a serviços de Correios e Telégrafos, em consequência da fusão desses serviços;
Decreto nº 22.626/33: disciplinou sobre juros contratuais e cláusulas penais, moratória decenal aos devedores por hipotecas rurais ou penhores agrícolas, modificando condições anteriores de contratos formalizados a priori, sem tais restrições.
A intervenção estatal para o restabelecimento da paridade contratual, dessa forma, ainda não se encontrava expressamente prevista no ordenamento jurídico brasileiro. Foi no Anteprojeto de Código de Obrigações (1941) que se verificou, de forma implícita e oculta, a teoria da imprevisão, cujo art. 322 assim disciplinava: “quando por força de acontecimentos excepcionais e imprevistos ao tempo da conclusão do ato, opõe-se ao cumprimento exato desta dificuldade extrema, pode o juiz, a requerimento do interessado, e considerando com equanimidade a situação dos contraentes, modificar o cumprimento da obrigação, prorrogando-lhe o termo ou reduzindo-lhe a importância”.
Em 1965, o Projeto de Código de Obrigações regrava a “Resolução por Onerosidade Excessiva”. Os seus dispositivos, entretanto, ainda não vislumbravam a possibilidade de intervenção do Estado para recuperar o equilíbrio do contrato. Ao contrário, a única previsão era a resolução do contrato, salvo se a parte demandada, espontaneamente, com a citação, decidisse pela modificação da(s) cláusula(s) em desequilíbrio:
Art. 346 – Nos contratos de execução diferida ou sucessiva, quando, por força de acontecimento excepcional e imprevisível ao tempo de sua celebração, a prestação de uma das partes venha a tornar-se excessivamente onerosa, capaz de lhe ocasionar grande prejuízo e para a outra parte lucro desmedido, pode o juiz, a requerimento do interessado, declarar a resolução do contrato.
Parágrafo Único – Os efeitos da sentença, então proferida, retroagem à data de citação da outra parte.
Art. 347 – A resolução do contrato poderá ser evitada, oferecendo-se o réu, dentro do prazo de contestação, a modificar razoavelmente o cumprimento do contrato.”
Também o Anteprojeto de Código Civil de 1972, ainda que de forma superficial, consubstanciava um introito da teoria da imprevisão. Previa, simplesmente, da mesma forma que o Projeto de Código de Obrigações de 1965, a possibilidade de resolução do contrato em caso de onerosidade excessiva.
A socialização do contrato somente se apresentou expressamente no Direito Brasileiro no Projeto de Código Civil de 1984 (PL 118/84), o qual em seu art. 421 disciplinava: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
Seis anos mais tarde, em 1990, a função social do contrato foi robustamente solidificada. A sanção da Lei Federal nº 8.072/1990 – Código de Defesa do Consumidor – promoveu a ratificação do rompimento da teoria clássica dos contratos, proclamando no Direito Brasileiro a socialização do contrato.
Firmou-se, a partir dali, uma nova concepção de teoria contratual. Pactos haveriam de ser firmados, promovendo o regramento de relações pessoais. Deveria, no outro espectro, está o Estado atento, para, como eterno vigilante, não permitir a existência de ônus excessivo para uma das partes. Imprescindível, destarte, nessa nova conjuntura, o aprimoramento, a cada dia, das normas e regras legais – Intervenção Estatal Legislativa –, a fim de viabilizar a concretização da função social do contrato.
A partir desta nova concepção, foram inseridas pelo Estado no ordenamento jurídico brasileiro regras de controle e monitoramento dos contratos de consumo, dentre as quais aquelas atinentes às práticas comerciais, às cláusulas abusivas, aos contratos de adesão, com imposição de sanções nas esferas administrativa, civil e criminal.
3 Dirigismo Contratual
Não haveria de se restringir o Estado, entretanto, a legislar em prol do restabelecimento do equilíbrio contratual. Obviamente que, em decorrência da divisão de poderes, posta a legislação em virtude de uma inovadora concepção contratualista, deveria o Poder Público colocá-la em prática.
E esta concretização do dirigismo contratual, como já se mencionou, de há muito vem sendo exercitada pelo Estado. A intervenção do Estado, em princípio, não foi de forma veemente e perceptível. O rompimento da teoria clássica do contrato foi contínuo e, como muitos defendem, é fruto de uma evolução, a fim de atender a uma sociedade mais justa e equitativa.
Em dias atuais, a interferência estatal no âmbito do Direito Privado está bem solidificada pelas disposições legais insculpidas no Código de Proteção e Defesa do Consumidor. E a sociedade de consumo exige a atenção plena do Estado, porque todo relacionamento dela originada proporciona pactos, os quais devem ser rotineiramente vigiados, para não se desgarrar da função social contratual pretendente.
Imprescindível, dessa forma, a atuação estatal também na fase de realização do direito privado. Em momento primeiro, o acompanhamento pelo Poder Público é perceptível já na formação do contrato. Nessa linha, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor assegura novos direitos ao consumidor, como aqueles previstos no seu art. 6º, III e IV: “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; […] a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;”.
A estes direitos estão relacionados novos deveres introduzidos pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor para os fornecedores de produtos e serviços. Trata-se do dever de informação e do dever de boa-fé.
A fase pré-contratual, então, deve ser levada em consideração. A exposição do produto ou serviço, o marketing que lhe circunda são aspectos que fazem parte do pacto que se anseia. As informações sobre o objeto do contrato devem ser claras e precisas. Exige-se uma transparência obrigatória em relação ao parceiro contratual, um respeito obrigatório aos normais interesses do outro contratante, uma ação positiva do parceiro contratual mais forte para permitir ao parceiro contratual mais fraco as condições necessárias para a formação de uma vontade liberta e racional.
A exclusão de métodos comerciais coercitivos ou desleais é uma obrigação. Não se permite mais a formalização de contrato, com objetivo de ganhos extraordinários para uma parte, em contrapartida de ônus excessivos para a outra. Práticas abusivas devem ser despojadas. Sobressai-se o princípio da boa-fé objetiva.
No momento de operacionalização do contrato, à luz do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, necessária também será a atuação estatal, promovendo a proteção do consumidor, o reequilíbrio contratual. Ainda que já esteja formalmente perfeito o contrato, contendo a manifestação livre de vontade do consumidor, o Estado haverá de sempre aferir o conteúdo das cláusulas pactuadas, a fim de afastar a abusividade proibida pela lei.
É no momento de concretização do contrato, desta forma, que se exige, na mesma linha, uma atuação estatal intervencionista no domínio privado, excluindo da manifestação bilateral de vontade as chamadas cláusulas abusivas.
Diz-se, portanto, que “o método escolhido pelo CDC para harmonizar e dar maior transparência às relações de consumo tem dois momentos. No primeiro, cria o Código novos direitos para consumidores e novos deveres para os fornecedores de bens, visando assegurar a sua proteção na fase pré-contratual e no momento da formação do vínculo. No segundo momento, cria o Código normas proibindo expressamente as cláusulas abusivas nestes contratos, assegurando, assim, uma proteção a posteriori do consumidor, através de um efetivo controle judicial do conteúdo do contrato de consumo.”
Nessa ordem, possui o ordenamento jurídico brasileiro várias formas de controle estatal dos contratos de consumo, ou seja, o Poder Público exerce o dirigismo contratual em várias esferas: controle administrativo, controle judicial abstrato e controle judicial concreto.
4 Controle Administrativo
O art. 51, § 3º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que trata desta matéria, apesar de aprovado pelo Congresso Nacional, foi vetado pelo Presidente da República . Esta é a sua redação:
O Ministério Público, mediante inquérito civil, pode efetuar o controle administrativo abstrato e preventivo das cláusulas contratuais gerais, cuja decisão terá caráter geral.
Em primeiro momento, em virtude do veto, poder-se-ia concluir que essa forma de controle das cláusulas abusivas não faz parte do sistema jurídico brasileiro. Isto, entretanto, não é uma verdade.
A Constituição Federal, em seu art. 129, estabelece as funções institucionais do Ministério Público, dentre as quais aquele de “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. O inquérito civil, por sua vez, tem as suas regras estampadas na Lei Federal nº 7.347/85, a qual se aplica ao sistema do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a teor do que dispõe o seu art. 90:
Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.
Nessa linha, pela própria essência e finalidade do inquérito civil, não há como negar a existência, no sistema jurídico brasileiro, do controle administrativo das cláusulas abusivas, o qual é exercido pelo Ministério Público.
Em outra análise, não se pode admitir que este controle administrativo é ilegal ou até mesmo não tenha vida jurídica, porque o art. 90 do CDC está inserido no Título III, que trata “Da Defesa do Consumidor em Juízo”. Daí, não teria o controle decorrente do inquérito civil natureza administrativa, mas sim judicial.
Uma incongruência esta conclusão. O inquérito civil tem cunho investigativo. Objetiva a colheita de provas (documentais, testemunhais, periciais), para que propicie a convicção relacionada à existência ou não de cláusula abusiva. Concluído este procedimento administrativo de investigação, e averiguando que os fatos analisados ofendem direitos tutelados, ou melhor, que certa cláusula contratual é abusiva, ação civil pública deverá ser proposta, seja pelo Ministério Público, ou por quaisquer daquelas pessoas indicadas pelo art. 5º, caput, da Lei de Ação Civil Pública.
Ocorre que o legislador, sabiamente, ao redigir este dispositivo legal, que trata das pessoas legitimadas a propor ação civil pública, preocupou-se em tipificar a possibilidade de solução do conflito sem que necessitasse de provocação do Poder Judiciário. É assim, então, que dispõe o § 6º do art. 5º da Lei Federal nº 7.347/85:
Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.
Por esse dispositivo, os órgãos legitimados a propor ação civil pública, dentre os quais o Ministério Público, ao invés de promovê-la de plano, podem, desta forma, envidar esforços no sentido de demonstrar ao transgressor (autor das cláusulas abusivas), que a sua ação é ilegal, a fim de que, mediante a autocomposição, as reconheça como nulas de pleno direito.
Nessa hipótese, portanto, não há que se falar em controle judicial. Após a investigação realizada, inclusive pelo Ministério Público, se houver formalização de compromisso de ajustamento de conduta, o que se tem, sem qualquer espeque de dúvida, é o controle administrativo das cláusulas abusivas.
Nessa linha, o veto ao art. 51, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, destarte, não excluiu a atribuição institucional do Ministério Público de promover o inquérito civil para identificação de cláusulas abusivas, assim como o consequente controle administrativo através da formalização de compromissos de ajustamento de conduta.
5 Controle Judicial
Indicado um fato como ofensivo ao Direito, cabe ao Ministério Público investigá-lo. Procedidas as diligências necessárias, e verificada a inexistência, na hipótese, de cláusula abusiva, o procedimento de investigação será arquivado. É o que está tipificado no art. 9º, caput, da Lei de Ação Civil Pública (LACP):
Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente.
Se, ao contrário, as investigações indicarem a ocorrência de cláusula abusiva em contratos de consumo, e não havendo compromisso de ajustamento de conduta, deverá o Ministério Público, ou quaisquer das pessoas indicadas no art. 5º, LACP, iniciar ação civil pública. Eis o que se denomina de controle judicial das cláusulas abusivas, que pode ser abstrato e concreto.
5.1 Controle Judicial Abstrato
O Controle Judicial Abstrato das cláusulas abusivas decorre de disposição expressa de lei. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em seu art. 51, § 4º, estabelece a regra geral para reconhecimento judicial de nulidade de cláusula abusiva:
É facultado, a qualquer consumidor ou entidade que o represente, requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.
Esta tipificação não encerra legitimidade exclusiva do Ministério Público para promover ação civil pública declaratória de nulidade de cláusula abusiva. A interpretação literal deve ser afastada, para se fazer uma análise de todo o sistema de proteção e defesa do consumidor. Assim, será visualizado que não só o Parquet é parte legítima para iniciar o controle judicial abstrato das cláusulas abusivas, mas também outras pessoas, a exemplo das pessoas jurídicas de direito público. Senão, é o que está consubstanciado nos artigos 81 e 82 do próprio Código de Proteção e Defesa do Consumidor:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo.
Art. 82. Para fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
I – o Ministério Público;
II – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III – as entidades e os órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código;
IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear.
O controle abstrato é assim denominado porque não decorre de repercussões de utilização individual de certo contrato no mercado de consumo. Ainda que não exista conflito de interesses relacionados ao contrato, é possível que o Estado exerça vigilância sobre as suas cláusulas. O controle, aqui, não será processado, visando restabelecer o equilíbrio contratual restrito.
Os efeitos do controle judicial abstrato não ocorrerão apenas em relação às partes contratantes do contrato analisado. Em outras palavras, todos os consumidores, sejam os que estejam vinculados ao fornecedor através do contrato submetido ao controle abstrato (ou até mesmo aqueloutros passíveis de se inserirem na respectiva relação contratual) serão beneficiados com a declaração de nulidade da cláusula reconhecida como abusiva.
E não é condição de procedibilidade, para que o Ministério Público inicie ação civil declaratória de nulidade de cláusula abusiva, o requerimento do consumidor ou de qualquer entidade que o represente. Tratando-se de matéria de ordem pública e interesse social, a teor do que prescreve o art. 1º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o Ministério Público poderá, de ofício, promover o inquérito civil e a ação civil pública, a fim de ter reconhecida como abusiva certa cláusula contratual.
5.2 Controle Judicial Concreto
Além do controle judicial abstrato das cláusulas abusivas, pode a atuação estatal ocorrer concretamente.
Promovida ação judicial, que tenha como base da lide um contrato de consumo, o Poder Judiciário poderá intervir para restabelecimento do equilíbrio do pacto, ainda que não haja qualquer pedido nesse sentido.
Esta manifestação do Estado, agindo incidentalmente, é amparada pelo próprio Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Tratando-se de norma cogente, de ordem pública e interesse social, a atuação do Magistrado pode dar-se de ofício, a fim de declarar, no caso sub examine, a nulidade da cláusula abusiva.
No controle judicial concreto das cláusulas abusivas, não há provocação pelo Ministério Público ou por quaisquer dos demais legitimados com o objetivo principal de declaração de nulidade de cláusula abusiva. O que ocorre, em verdade, é a percepção de ofício do Poder Judiciário sobre a existência de cláusula abusiva em contrato que serve de supedâneo à pretensão das partes litigantes. Assim, atuará o Poder Judiciário, declarando abusiva a cláusula, ainda que não haja pedido expresso para tal.
6 Conclusão
A evolução das relações de consumo ensejou a supressão do liberalismo pelo intervencionismo. A exclusão da paridade contratual determinou a atuação estatal no domínio privado. Derrogou-se a teoria clássica dos contratos, em nome do restabelecimento do equilíbrio contratual.
A intervenção do Estado é perceptível a nível de positivação de novas regras de conduta, assim como na concretização administrativa e judicial dos direitos lesados ou ameaçados de lesão.
Hoje, com atuação intervencionista mais expressiva, o Estado tem viabilizado a paridade contratual no âmbito dos direitos dos consumidores, haja vista a vigência da Lei Federal nº 8.078/90 – Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor, a qual assumiu a nova concepção contratualista – teoria da imprevisão.
Desta forma, apresenta-se hodiernamente o Estado, com nova e importante atuação de vigilância dos contratos, na direção de restabelecimento do equilíbrio das manifestações de vontade.
E nessa essência, amparado em regra constitucional estampada nos arts. 127 e seguintes da Carta Magna, o Ministério Público, defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, encontra-se a postos para o exercício do Dirigismo Contratual, seja em ambiente administrativo de investigação, como também na esfera do controle judicial.
Legitimado que é, pois, para a propositura de Ação Civil Pública, a qual, circundada por dois eficientes instrumentos direcionados à solução de conflitos – Inquérito Civil e Compromisso de Ajustamento de Conduta, o Parquet, desta forma, apresenta-se como importante protagonista para o efetivo e absoluto Controle dos Contratos de Consumo.
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