O Ministério Público e sua inserção na defesa dos direitos humanos

Oswaldo Gouveia Filho

Procurador de Justiça do Ministério Público de Pernambuco

 

RESUMO

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é a proclamação dos valores intrínsecos à condição humana, que fundamentam a compulsoriedade imposta ao Ministério Público de fomentar, de exercitar a defesa e a aplicação de suas normas diretivas. A sua abrangência inclui a comunhão com todos os valores sociais que informam a condição de dignidade humana que não pode ser postergada, por ser a própria destinação de uma efetiva Justiça Social.

PALAVRAS-CHAVE

Integração; Ministério Público; Defesa dos valores democráticos; Pluralidade; Universalidade.

 

1 Introdução

São decorridos Setenta Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A efeméride é significativa e remete à obrigatoriedade compulsiva imposta ao Ministério Público para, em decorrência de pressupostos legais ínsitos no artigo 129 da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, agir de forma plena e célere no asseguramento dos Direitos Humanos e, principalmente, para conter a degradação absoluta que eventualmente possa se abater sobre estamentos sociais menos protegidos.

Se é certo que o Ministério Público ganhou protagonismo antes não vivenciado em razão da conspurcação plena dos valores éticos e morais, que tem repercussão transcendente pela intensidade que atinge as políticas públicas e sociais que beneficiam, de modo geral, toda a sociedade, por outro lado urge que o Estado, na sequência dos atos saneadores, estabeleça de forma dialética, diga o que pretende, para humanizar e emancipar o País e, por consequência, o povo.

Os que têm uma concepção emancipatória pretendem resposta cabal.

Quais as providências que serão adotadas para que o Estado, como Nação politicamente organizada, dotado de conceito político-administrativo, consciente da sua soberania e independência venha ser respeitada no concerto internacional das Nações? A resposta abrange um espectro amplo.

Sabe-se que o conceito de Estado trás, em si mesmo, a ideia imanente de que não deve a sua validade a nenhuma ordem superior e, portanto, as suas políticas públicas devem ser estritamente voltadas para referências que informam e justificam a nacionalidade. A nacionalidade nos termos que não se confundem com a xenofobia, isto é, aversão a tudo que é estrangeiro, mas que se confunde com os valores autóctones do País.

A interação, a conjugação de valores ditados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, se ajustam expressamente com o Ministério Público, que vem atendendo aos reclamos sociais, com o denodo que se lhe exige, com o aprimoramento que lhe é necessário na busca incessante de ser provedor do coletivo social em toda abrangência.

O Ministério Público evidentemente, como instituição permanente e imprescindível do organismo social democrático, tem conceituações que lhes são próprias tais como: responsabilidade na defesa das garantias legais, do Estado de Direito, e de todos os interesses, inclusive os indisponíveis. Diga-se ainda, que a sociedade organizada, de uma forma geral, é eventualmente parceira do Ministério Público no atendimento social quando age em defesa de terceiros, na preservação de garantias constitucionais.

Em tempos ásperos, ressalte-se a insurgência da Igreja Católica na Defesa dos Direitos Humanos com destaque para o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Helder Câmara, cumprindo missão histórica contra a Ditadura Militar, em condições de risco à integridade física. Ambos emergiram dos escombros maiores do que eram, exuberantes de sensibilidade e espiritualidade.

Quando se constata o compartilhamento com as angústias dos oprimidos e desassistidos, a fé em todos os valores se recompõe e a esperança se renova. Vê-se ainda que a carta da Organização das Nações Unidas, aprovada em 26 de junho de 1945 em São Francisco já era o prenúncio da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O Ministério Público teve seus percalços, suas idas e vindas. A Constituição de 1946 desvinculou a instituição dos poderes do Estado. A Constituição de 1967, outorgada pelo poder discricionário da ditadura, manteve a situação anterior que viria a ser alterada pela emenda de 1969, que remeteu o Ministério Público ao Poder Executivo. No regime de exceção, o Ministério Público ficou destituído de garantias institucionais. Poucos foram os membros que resistiram. Para os acólitos do arbítrio, todas as benesses.

Ao se abordar os Direitos Humanos a alguns ocorre de imediato tratar-se de garantias pessoais pontuais, descontextualizadas da amplitude dos seus significados. O conceito de Direitos Humanos é universal, não está adstrito a qualquer direito posto que é correspondente com a dignidade da pessoa humana frente ao Estado, que o provê, que o garante, não é concessão, pouco importando se o Estado os reconhece ou não. São direitos transacionais, irreversíveis e que se sobrepõem até às soberanias dos Estados.

Aceite-se ou não, o Ministério Público tem cada vez mais potencializada as dificuldades do pleno exercício de suas atribuições. Vivemos em uma sociedade extremante desigual e que traz em seu âmago, herdado do Brasil Colônia, um contexto conservador arraigado, impregnado de racismo e misoginia. No caso específico de defesa dos Direitos Humanos a todo o momento surgem tentativas no sentido de descaracterização e não preservação do pleno exercício das culturas indígenas e afro-brasileiras sob os esdrúxulos pretextos de aculturação. Na realidade, as tentativas obedecem a critérios socioeconômicos sem qualquer preocupação com as tradições culturais. Nesse aspecto cabe ao Ministério Público a preservação desses valores ancestrais inclusive dando a proteção legal, difusão e incrementação a todas manifestações de raízes.

 

2 Legislação Pertinente como fonte de Direito

Aliás já dispomos de ampla legislação que estabelece diretrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira: Lei nº10.639 de 09 de janeiro de 2003, alterada pela Lei 11.645 de 10 de março de 2008, para incluir a população indígena. Além da Lei 12.288 de 20 de julho de 2010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial.

A defesa dos Direitos Humanos e a exercitação de suas prerrogativas tem sido alvo nos últimos tempos de insidiosa campanha que desinforma no que concerne aos seus fins. Embora se configure para alguns como proteção inadequada a pessoas que cometeram crimes graves, tal assertiva não procede, pois seria negar ao Estado os deveres que remetem a entendimento já esposado no Código de Hamurabi, escrito pelo Rei Hamurabi, que adotava leis “para que o forte não prejudique o mais fraco, afim de proteger as viúvas e os órfãos”.

E esse entendimento vem desde 1772 a.C., portanto multimilenário.

 

3 Efetividade e protagonismo do Ministério Público

Por isso entendemos que a luta pelos Direitos Humanos é meio de emancipação e integração social.

Quando se cogita de controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, alguns procuram não entender. Porém é necessário para que as repressões não sejam desproporcionais, não infrinjam os direitos fundamentais expressos na Declaração Universal tais como: “dignidade, igualdade de direitos entre homens e mulheres, sem qualquer distinção de raça, cor, de língua, religião ou opinião política”. E se incluam aí outras liberdades. Portanto deve ser exercitado com denodo o controle externo até como garantia da ordem pública e segurança do Estado de Direito e até para que não se confunda o que seja reinvindicação com perturbação do ordenamento estatal.

Exemplo histórico da defesa dos Direitos Humanos foi dado pelo General Della Chiesa quando um membro do serviço de segurança lhe propôs torturar um preso que se presumia ter muitas informações a respeito do sequestro do Primeiro Ministro italiano Aldo Moro, ao qual respondeu: “A Itália pode permitir-se perder Aldo Moro, não em troca de implantar a tortura”.

Os que militam no Ministério Público na sua generalidade têm dado demonstrações de pendor cívico engrandecedor. Vive-se uma fase histórica difícil, a exigir de seus membros firmeza e equilíbrio na persecução de uma idealidade que se pretende inspiradora do sentimento maior de nacionalidade e engrandecimento institucional.

A Constituição de 1988 colocou o Ministério Público no seu devido lugar, conferindo-lhe a independência que se impunha, destacou a essencialidade de sua destinação. Em seguida a legislação infraconstitucional norteou os princípios, entre outros, de autonomia financeira, administrativa e funcional.

Não podia ser diferente. A consequência foi a valorização da instituição e de seus profissionais que precisam casa vez mais se conscientizarem das obrigações que se lhes impõem na defesa intransigente da democracia inclusiva e não meramente formal. É com essa compreensão que o sociólogo português Boaventura de Souza Santos se direciona quando diz que para ele “a democracia representativa está refém das forças do mercado”. E aduz que “o resgate da democracia sequestrada pelas forças do mercado, será feita com a retomada das ruas pela sociedade, único espaço ainda não colonizado”. Pelo que constatamos nos dias de hoje, o entendimento é procedente. Veja-se os movimentos pelas ruas de Paris dos coletes amarelos contra a política social de Emmanuel Macron.

Não há divergência quanto à ação fiscalizadora do Ministério Público. No seu desiderato, a instituição incomoda na medida em que interfere no cumprimento das obrigações dos direitos sociais previstos nos artigos 6° e 7° da Constituição Federal, que albergam a proteção à saúde, à educação, à maternidade, à infância e aos desamparados e protege o emprego. E muitas vezes confronta-se com o Estado quando este negligencia e se omite. Porém, é bom que se diga “que o próprio Ministério Público está começando a usar tais normas mais recentemente”, como entende Wagner Gonçalves, Procurador Federal dos Direitos dos Cidadãos.

A Lei Orgânica do Ministério Público tem seus objetivos voltados para defesa dos Direitos Humanos. Por sua vez, a Lei Complementar nº 12, de 27 de dezembro de 1994, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o Estatuto do Ministério Público de Pernambuco no seu art. 1° incumbe, entre outros deveres da instituição, a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

 

4 A liberdade como corolário

Como ensina Roberto Saturnino Braga em sua obra Itinerância, “ser obrigação do Estado de Direito corrigir essas diferenças estruturais…”, “…corrigi-las através de políticas públicas em atendimento à vontade das maiorias; materializando direitos universais e fundamentais a uma vida digna; e é possível, sim, fazê-lo sem restringir as liberdades próprias da democracia”.

Para isso, é importante a presença de um Ministério Público atuante e fiel aos princípios defendidos pelo grande mestre e símbolo Roberto Lira, ligado ao humanismo, à filosofia, e à sociologia jurídica de forte conteúdo social.

Com o fim da Ditadura Militar, muitos acreditaram que havia se fechado o ciclo da tortura. Puro engano, ela extrapolou o ciclo e se estabeleceu nos descaminhos do Estado. Por isso que é importante termos Roberto Lira ressurreto, ganhando vida para espelhar a moldura social e, sobretudo, nos inspirar, voltados para o compromisso institucional de libertação, integração e engajamento na busca da conscientização generalizada que conduzirá à Justiça Social. Não basta o protecionismo que venha conduzir à inércia, à desesperança e ao arrefecimento para a luta. É missão do Ministério Público cobrar do Estado suas obrigações constitucionais de educar, zelar pela saúde pública, garantir condições dignas de habitação.

É sua destinação a promoção da Justiça Social, fazer valer o que é racionalmente necessário para a efetivação dos deveres sociais. Este é o Brasil que queremos, com a democracia, com a abolição da pobreza, com a garantia preservada da liberdade com um Ministério Público forte e presente.

 

5 Conclusão

O tema transcende o provincianismo e só pode ser concebido e entendido no contexto do seu dimensionamento universal. A sua universalidade é que determina a sua importância, pois está voltada para o homem e, por consequência, objetiva a preservação material e espiritual do seu próprio objeto.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos contém 30 artigos. O 1° diz: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espirito de fraternidade”.  O artigo 30 dispõe: “Nenhuma disposição da presente declaração pode ser interpretada de maneira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma atividade ou de praticar algum ato destinado a destruir as liberdades aqui enunciadas”.

Como se constata, são impostergáveis os pressupostos explícitos na Declaração Universal, e tem valores dogmáticos de forma a exigir do Ministério Público o protagonismo que o faz responsável maior pela eficiente aplicação das garantias.

 

REFERÊNCIAS

 

SANTOS, Boaventura de Souza. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Crítica de Estudos Sociais, nº48.

 

BRAGA, Roberto Saturnino. Ética e política. In: Desafios éticos. 1993. p. 59-72.

Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988.

 

BRASIL, Lei 12.288/10. Estatuto da Igualdade Racial. Brasília, DF: Presidência da República, 2010.

 

GONÇALVES, Wagner. Natureza Jurídica das comunidades indígenas: Direito público e Direito Privado. Novo Estatuto do Índio. Implicações. Os direitos indígenas e a Constituição, p. 241-250, 1993.

 

MÁS, Nunca. Informe de la Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas. Eudeba, 1986.