Artigo – Comer é um ato de revolução

Por Yuri Machado*

Embora comer seja na essência um ato de sobrevivência, ele é muito mais do que isso. Comer também é um ato político, social e cultural. Já foi o tempo em que comíamos apenas para satisfazer às nossas necessidades fisiológicas, comer é revolução. Escolher ingredientes frescos, que respeitam a sua sazonalidade, conhecer o produto e o produtor local não é capricho, é sobrevivência.

Existe um velho ditado que diz que “você é o que você come”. Comer é um ato
revolucionário. Nós, consumidores finais de uma cadeia, mais do que ninguém, é que vamos ditar o que vai ser consumido no futuro. Percebo que a falta de conhecimento das antigas gerações (e me incluo nisso até tempos atrás), que nos fizeram consumir produtos de lugares cada vez mais distantes, industrializados, que precisam percorrer centenas de quilômetros, atravessar oceanos até chegarem no nosso prato. Felizmente, a globalização da informação também nos trouxe luz – hoje o conhecimento está mais democrático, basta um simples “clicar”.

Diante disso existe uma mudança, mesmo que lenta, no comportamento das pessoas, por se alimentarem por produtos locais, de preferência orgânicos e mais saudáveis. Essa mesma globalização que trouxe luz fez surgir o agronegócio, este que massacrou a agricultura familiar, provocando êxodo rural, superpovoamento dos grandes centros urbanos, a padronização da alimentação e, pior, fez diminuir de forma vertiginosa a biodiversidade dos produtos.

Produtos como mangaba, jenipapo, alfenim, cavaco chinês, estruturas como as casas de farinha, que antes eram fabricados especialmente por artesãos da comida e cultura local, estão entrando em extinção por conta da sua escolha. Estima-se que o número de plantas consumidas pelo homem caiu de 10 mil para 170 nos últimos 100 anos.

Por muito tempo, fomos consumidores do agronegócio e não nos questionávamos como tudo aquilo surgiu, como foi produzido e por quem e, sobretudo, os seus impactos na cadeia produtiva. Já era hora de isso acabar.

O agronegócio, aquele que financiou campanhas de representantes do congresso, são os mesmos beneficiados pela aprovação da PL 6299/02 (PL do veneno), que afrouxa o controle de agrotóxicos. Você, consumidor final, é o grande lesado com isso tudo. São 14 substâncias usadas na fabricação de 200 agrotóxicos, extremamente danosos à saúde e proibidos em diversos países da Europa. Ou seja, caminhamos na contramão de tantos países desenvolvidos no tema.

No caminho inverso da monocultura do agronegócio, existe a agroecologia familiar,
cultivo de orgânicos, disseminação e estudo das PANC’S (Plantas Alimentícias Não
Convencionais) que são hoje pontos que me fazem ter esperança, acreditar que é, sim, mudar essa cultura preguiçosa e conformista de outrora.

É fundamental refletir sobre qual legado deixaremos para as próximas gerações? A
nossa missão como ser humano é entregar ao planeta e às próximas gerações um mundo melhor do que já foi e do que é. Que a nossa passagem seja de luz e de escolhas boas que beneficiem ao próximo.

* Cozinheiro e chef-executivo do restaurante Cá-Já.

Confira a íntegra desta edição da Revista Dfato no link: https://issuu.com/amppepernambuco/docs/dfato12final.